Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Da esperança de um ano novo.



Acabo de receber uma correspondência do Instituto Nacional do Câncer. Nela, o instituto agradece por eu estar inscrito no registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME). Enviaram-me, juntamente com a carta, um cartão de doador voluntário. Isso me motivou a fazer esta postagem.

Nesta véspera de Ano Novo, é comum o sentimento de esperança. Fazemos promessas, planejamos melhorar algo, visamos melhor remuneração ou emprego, etc. Nem tudo, porém, depende de nós para acontecer. Por exemplo, a vontade do empregador é capaz de nos prejudicar ou contribuir para uma conquista pessoal; decisões governamentais são necessárias para realizarmos um grande desejo. Muitas pessoas, algumas desconhecidas mesmo, podem mudar a rota que escolhemos. Em contrapartida, nós também temos a capacidade de transformar a vida de muitos.

É bom saber que eu poderei, talvez neste ano que se anuncia, salvar uma vida. É muito gratificante saber que alguém, em algum lugar do mundo, poderá contar comigo para extinguir uma grande tristeza.

Feliz ano novo a todos. Que neste novo tempo, cada um seja o motivo da alegria de outro(s). Se possível, seja um doador de medula. Se não, há outra maneiras de se enxugar lágrimas.


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Da mudança dos símbolos



O luxuoso hotel Emirates Palace de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, apresentou uma árvore de Natal decorada com pedras preciosas no valor de 11 milhões de dólares.
"É a árvore de Natal mais cara já decorada (...), com um valor de mais de 11 milhões de dólares", declarou durante cerimônia de apresentação o diretor-geral do hotel, Hans Olbertz.
Com 13 metros de altura, a árvore é decorada com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas, disse Khalifa Khuri, proprietário da joalheria encarregada da decoração.
"A árvore custa 10.000 dólares, mas as jóias, 11,4 ou 11,5 milhões de dólares, acho", assegurou Olbertz, acrescentando que têm a intenção de contatar a organização do Livro Guinness dos Recordes para homologar o pinheiro como o mais caro do mundo.

O trecho acima é de um site de notícias, mas eu soube da famosa árvore pela televisão. Essa novidade me fez lembrar do poder de mutação dos símbolos. O 25 de dezembro, por exemplo, já foi festa pagã em honra ao deus romano Mitra. O cristianismo adotou a data e considerou o 25 de dezembro como o dia do nascimento do Sol Vencedor: Jesus Cristo.

Observando a árvore do Emirates Palace, fico pensando sobre qual a relação entre tanto luxo e a tradicional manjedoura do menino judeu. Burros e ovelhas, pastores e magos, Maria e José não parecem ter muito a ver com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas. Assim como uma família reunida, feliz com o nascimento de um filho, não se coaduna com grupos de pessoas comprando e passando de lá para cá, eufóricos com suas compras natalinas.

A árvore do hotel de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, − Jesus, segundo a narrativa mítica, tinha apenas uma −, é símbolo perfeito de um Natal que não mais tem relação com os festejos de Mitra, nem com o nascimento de Cristo, mas com um Novo, Poderoso e Sedutor Deus: o poder de ter. A árvore mais rica do mundo só perde em simbolismo para outro ícone desse Natal que vira as costas à Manjedoura: o Papai Noel.

Neste Natal, desejo que o simbolismo do mito da Natividade não perca sua essência para você que me lê. Que a mensagem mítica da Encarnação revele valores há muitos menosprezados, mas nem por isso antiquados: a fraternidade e a solidariedade.

Contra um mundo que teima em não ser melhor, desejo um Feliz Natal.


terça-feira, 14 de dezembro de 2010

João da Cruz e da Poesia



Hoje, comemoramos o poeta e místico espanhol São João da Cruz (1542-1591). Artista cuja obra é produto do contato pessoal com esse ser-ideia tido como Deus, ele tenta, por meio da escrita, da linguagem literária, discorrer sobre sua vivência mística. Para expressar uma realidade transcendental, é necessária uma linguagem multifacetada. Em São João da Cruz, a experiência religiosa gera poesia.

Selecionei um poema que faz parte do tratado Noite Escura. Apesar de o monge carmelita descalço fazer verdadeira exegese de seu poema, a obra literária não se amarra e permite várias interpretações, não somente as que o santo nos dá. A poesia de João da Cruz, por sua capacidade de desvelar-se e nunca revelar-se, lembra o uróboro, símbolo do infinito; a obra de arte é ilimitada em seus sentidos. Ao contrário do dogmatismo, o misticismo muitas vezes afirma que há tantos caminhos para Deus quantas são as pessoas, como diz Karen Armstrong em sua Uma história de Deus. Diferentemente da crítica que fundamenta o entendimento de uma obra na pessoa do autor, a experiência poética parece mostrar que há tantas interpretações quanto há leitores. Segue o poema em espanhol e português. Logo após, link do poema musicado.

En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.                  

  A oscuras y segura,
por la secreta escala disfrazada,
(¡oh dichosa ventura!)
a oscuras y en celada,
estando ya mi casa sosegada.                    

  En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba cosa,
sin otra luz ni guía                             
sino la que en el corazón ardía.                

  Aquésta me guïaba
más cierta que la luz del mediodía,
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía,
en parte donde nadie parecía.                   

  ¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado transformada!                  

  En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.              

  El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.                 

  Quedéme y olvidéme,
el rostro recliné sobre el amado,
cesó todo, y dejéme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.     


Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh, ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado. 


O Cristo de São João da Cruz, de Salvador Dali




              



domingo, 12 de dezembro de 2010

Bodas

Contraluz, por Avatamar



Ontem, meu cunhado casou. O casamento foi em uma cidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Tentou-se transmitir a cerimônia pelo Skype, mas não se obteve sucesso. Nem sempre podemos nos fiar na tecnologia. Ficamos aqui, em Fortaleza, desejando felicidades para os noivos. Hoje, que coincidência, faço dois anos de casado. Comemoro bodas de algodão. Em meio a dois casamentos, pensei em fazer uma postagem sobre meu aniversario de matrimônio.

Queria, nesta postagem, discorrer sobre esses dois anos de casamento, fazer referências ao algodão e à simbologia das bodas. No entanto, a propósito do algodão, só me vem o slogan da Malwee – gostosa como um abraço. Se fosse bodas de papel – um ano de casamento – seria mais fácil, pois papel lembra escritura, leitura, livros, histórias. Se contar com os anos de namoro e noivado, eu e minha mulher completamos bodas de cristal. Mas cristal é frágil. Assim, a simbologia fica talvez comprometida.

Tentei escrever um texto bem emotivo; romântico até. Mas, nestes últimos dias, tenho andado aborrecido, com problemas que me deixam bem chato. Portanto, nada de romantismo agora. Amar e viver a dois – ou a três, quatro, cinco... (estou falando de filhos) – não pode se resumir em histórias emotivas. Pelo contrário, amar exige ação, como expus em uma postagem do dia 27 passado. Não vou me repetir, então. Nesses últimos dias, minha esposa tem sido o que ela sempre foi nesses anos de relacionamento: uma verdadeira companheira. Ela se irrita às vezes, explode às vezes, mas sempre me mostra o melhor que sou, mesmo quando eu não percebo.

Dizem que Jesus transformou água em vinho em uma festa de casamento para que os noivos não passassem vergonha. Talvez ele tenha feito isso porque sua mãe pediu, ou porque queria que percebêssemos a importância do amor, ou porque fosse amigo dos noivos e desejava agradá-los (que baita presente esse, não?), ou por todos esses motivos. Nessa história, o que me chama a atenção é que casamento deve ser sempre uma festa, não que não falte o vinho, mas que nunca falte a alegria e – óbvio – o amor.

Elizangela, obrigado por tantos anos de amizade, alegria e amor. Que seu irmão possa encontrar isso também na mulher com quem ele se casou ontem.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Bertram e Hamlet: personagens marcadas pelos signos da morte.




No VII Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará, de 9 a 12 de novembro de 2010, apresentei o seguinte trabalho: 

“BERTRAM E HAMLET: PERSONAGENS MARCADAS POR SIGNOS DA MORTE”. 

São algumas considerações iniciais sobre pontos de tangência entre o conto “Bertram”, de Álvares de Azevedo, e o Hamlet, de Shakespeare. Apesar de não ser um estudo aprofundado, acredito que os comentários sejam pertinentes. Segue abaixo o link do artigo, que está nos anais do encontro, p. 347-353. 

https://www.dropbox.com/s/2s0kq3pwndvb7mw/Anais%20-%207inter%20-%201ed.pdf 


Ofereço esta postagem a L. Bernardes, a ela meus agradecimentos.




sábado, 27 de novembro de 2010

Uma velha nova história (Para Alex e Jen)


Recentemente, reli alguns versos de Shakespeare, da belíssima obra Sonho de uma noite de verão. Eles abordam as dificuldades que sempre acompanham o verdadeiro amor. As linhas estão reproduzidas abaixo, na tradução de Carlos Alberto Nunes.

Lisandro – Oh Deus! Por tudo quanto tenho lido
ou das lendas e histórias escutado,
em tempo algum teve um tranquilo curso
o verdadeiro amor. Ou era grande
do sangue a diferença... [...]
... ou mui disparatadas as idades... [...]
... ou tudo os pais, sozinhos, decidiam... [...]
... ou quando havia
simpatia na escolha, a guerra, as doenças,
e a morte, conjuradas, o assaltavam.

Lisandro fala de diferença de sangue e de idade como empecilhos ao amor. Além disso, cita guerra, morte e doença. Obviamente, passados tantos anos da escritura da peça - e do tempo da narrativa -, muitos desses obstáculos ao amor perderam sua força. Em nosso mundo ocidental, se os amantes decidem ficar juntos, comumente a família não se opõe. Na maioria das vezes, nem as diferenças de ordem econômica ou etária, nem mesmo a semelhança entre os sexos são capazes de separar o par apaixonado. Na época de Internet e de tantos meios de transportes eficientes, a distância mesmo teve enfraquecido o poder de diluir o amor entre duas pessoas.

Na última terça-feira, Alexandre, irmão de minha esposa, foi embora para outro país. Depois de um namoro que teve de enfrentar o obstáculo imposto por quilômetros de distância que o separavam de sua amada, Jen, eles agora estão juntos. Porém, se o amor não cansa, ele também não descansa, como diz o belo verso de João da Cruz. Os obstáculos persistem, menos intensos, mas nem por isso menos corrosivos. A rotina, a impaciência, a incompreensão, a dificuldade de fazer pequenos sacrifícios pelo outro, a falta de diálogo, tudo pode acabar com o amor. Tudo isso age como o vento que, lentamente, afasta uma duna de outra. Se isso acontece, o amor, como a casa construída sobre a areia, arruina-se.

O amor não descansa, ele enfrenta o que for necessário para sobreviver. O enfrentar exige ações de alteridade: cuidar do outro, dialogar com o outro, compreender o outro, sacrificar-se pelo outro, não se ensimesmar. Assim, o amor será bem mais que um belo sentimento, ele será uma realidade concreta como uma rocha. A areia do tempo passa, mas ele será protagonista de uma história sempre renovada.

Alexandre e Jen, quando vocês se casarem no próximo dia 11, estarão continuando uma história que já remonta há muitos séculos, mas que, para vocês, estará apenas começando. Que tenham muitas alegrias.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Lobato, Emília e o preconceito.



No dia 29 do mês passado, o jornal O Globo veiculou notícia com o título Conselho de Educação quer banir livro de Monteiro Lobato das Escolas. A atitude do Conselho trouxe uma discussão sobre a temática racial na obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Essa polêmica não é nova, para melhor discuti-la é interessante ler não somente o livro em questão, mas também toda a produção de Lobato. Haveria ainda a pergunta: Lobato era racista, ou a boneca Emília é a preconceituosa? O que dizer dos romances Negrinha e O presidente negro, ambos do autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo, em que o negro é tratado de uma forma bem diferente da discriminação da época? Exageros a parte, o assunto mostrou que grupos sociais estão atentos para que incitações ao preconceito sejam evitadas.

Não quero me posicionar a favor ou contra o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão responsável pela classificação dos livros comprados pelo governo para as escolas públicas, cujo parecer desestimula a distribuição de Caçadas de Pedrinho. Quero aqui louvar toda ação que procure evitar o preconceito. Mesmo que a decisão do CNE pareça exagerada e desconcertante para aqueles que desaprovam qualquer censura, o ato revela uma certa atenção para se evitar discriminações. Em um país onde notícias de agressões a mulheres, negros, homossexuais, moradores de rua e outras minorias são comuns, vejo com bons olhos manifestações legais de combate à discriminação. Ainda que o parecer do CNE seja controverso, ele mostra, de certa maneira, que há mudanças de atitude.

Hoje, aqui na minha cidade, três rapazes de classe média alta estão presos por atirar em um morador de rua. A vítima está hospitalizada e já perdeu a visão de um olho devido ao tiro. A violência foi gratuita, segundo a polícia. Em São Paulo, quatro adolescentes de classe média são acusados de espancar três pessoas na madrugada de ontem, provavelmente por homofobia. Há algumas semanas, uma estudante de Direito manifestou-se a favor da morte de nordestinos que imigram para São Paulo. Esses casos revelam que há uma necessidade enorme de o poder público não tolerar ações discriminatórias. Para quem é homem, rico, branco, heterossexual, sulista, determinadas decisões legais e certos direitos para minorias talvez sejam exagerados. Ninguém morre pela condição isolada de ser homem, rico, branco, heterossexual ou sulista. Mas, em muitos lugares do Brasil, se persegue e se mata pelo simples fato de alguém ser mulher, pobre, negro, homossexual ou nordestino. Só conhece realmente o preconceito quem é vítima dele ou ama a quem sofre essas agressões.

Termino esta postagem fazendo menção a uma outra em que discorri sobre intolerância, datada de 11 de setembro deste ano. Pouco mais de dois meses separam esses textos, gostaria muito de não ter de escrever tão amiúde sobre essa temática. Emília sempre questionou muito. Façamos como ela, questionemos os preconceitos e lutemos contra eles. Emília não se calava, não nos calemos também diante da injustiça.  Se ela era injusta com Tia Nastácia, talvez isso se explique por possuir pano na cabeça. Não é o nosso caso.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Espera...


Amigos e amigas,
devido aos trabalhos de final de semestre do Mestrado,
não tive tempo para atualizar
este nosso espaço de diálogo.
Assim que eu tiver uma folga,
entre uma hora e outra,
escreverei.
Um abraço a todos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eleições 2010: Dilma e nós, eleitores.



Ontem, elegeu-se mais um Presidente do Brasil. No próximo 1º de janeiro, tomará posse do cargo a primeira mulher chefe de Estado de nosso país: Dilma Rousseff. Segundo dados do jornal Diário do Nordeste, o resultado dos votos foi de 56,05% para a petista e de 43,95% para seu opositor, José Serra.

Durante as semanas, certamente nos informaremos melhor sobre detalhes da eleição e as diretrizes do próximo governo. Isso será facilmente conseguido por meio dos órgãos de imprensa, principalmente sites de notícias. A Internet teve, nessa última campanha presidencial, um papel de relevo. Blogs, e-mails, jornais e outras publicações eletrônicas divulgaram fatos e factóides, fizeram denúncias e divulgaram defesas. Difundiram-se textos legítimos ou apócrifos beneficiando um ou outro candidato. Eu mesmo recebi muitos desses informes nem sempre verídicos, conforme disse em uma postagem anterior. Enfim, a Internet tornou-se – apesar de nem sempre bem empregada − uma ferramenta importante no jogo político. Além disso, a diversidade deinformações e a rapidez com que podemos obtê-las fazem da Internet um contributo importante para nosso exercício de cidadania.

Nosso compromisso como eleitores não findou ontem, após o voto na urna. Ele continua através de nossa obrigação em avaliar o mandato não só da futura presidente, mas também de todos os outros eleitos, visto que o poder governamental não é absoluto para o chefe de Estado do Brasil. É necessário que acompanhemos as notícias políticas e verifiquemos a veracidade delas, ou, pelo menos, confrontemos as informações de diversas mídias, a fim de não nos deixarmos confundir. Vejamos como se comporta o Senado e o Congresso Nacional. Acompanhemos a movimentação da oposição e do governo. Atentemos para o que se faz na cúpula política de nosso país. Busquemos saber se os objetivos daqueles que nos representam são realmente o bem-estar do povo brasileiro e a soberania da Nação. Para isso, a Internet é capaz de realmente ajudar. Assim, seremos melhores eleitores.

Gostaria de finalizar esta postagem com paráfrases de uma frase de Dilma Rousseff, proferida em seu primeiro discurso após sua eleição: “Sim, a mulher pode.”

Sim, um ex-metalúrgico pôde mudar o Brasil para melhor.
Uma ex-guerrilheira, presa e torturada durante a ditadura brasileira, poderá também mudar o país.
Nós poderemos contribuir para essa mudança.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Eleição, aborto e Nossa Senhora Aparecida.

The Madonna of Port Lligat, de Salvador Dali

 

Nas últimas semanas, recebi alguns e-mails sobre a temática do aborto, que tem movimentado, algumas vezes de forma leviana, a campanha dos candidatos à Presidência da República. O aborto, certamente, não é um assunto que se possa esgotar em uma postagem de blog. No entanto, gostaria de levantar algumas considerações sobre a maneira como este tema vem sendo abordado ultimamente.

Uma delas refere-se ao uso eleitoreiro desse assunto. Por tocar na moral individual e religiosa de muitos, aproveitaram-se disso como estratégia de obter votos; assim, o debate tornou-se inexistente e surgiram várias manifestações radicais e injustas. Para esses manifestantes, só há dois barcos: o daqueles que apoiam o aborto e o dos outros que não o apoiam. Não há outro posicionamento a ser tomado. Políticos de renome e autoridades eclesiásticas foram taxativas em condenar o aborto, alguns com claros propósitos eleitoreiros. Houve quem dissesse – da parte de deus ou do diabo, não sei – que aquele que sustivesse a defesa da legalização do aborto estaria no inferno. Dessa forma, demonizou-se uma candidata à Presidência da República. Concordo com o presidente da Cáritas Nacional, bispo Demetrio Valentini, de Jales (SP), ao afirmar que tanto o aborto como o casamento gay não devem ser  discutidos no momento de uma disputa eleitoral, pois são temas que precisam ser tratados com serenidade, não durante o calor das campanhas políticas. Estamos, porém, vendo o contrário.

Pessoalmente, sou contra o aborto. Mas só afirmar isso não muda o fato de uma mulher abortar a cada 33 segundos no Brasil, conforme o blog do Noblat desta segunda-feira. Sou contra o aborto, mas só dizer isso não muda o fato de o aborto ser, de acordo com o Ministério da Saúde, responsável por 15% das mortes maternas, sendo a quarta causa de mortalidade de mães no Brasil. Sou contra o aborto, mas essa convicção não faz com que as mulheres que abortaram tenham uma assistência digna nos hospitais para controlar as complicações de um aborto clandestino.  Sou contra o aborto, mas só dizer não é suficiente para defender a vida da criança e da mãe. Por isso a necessidade de debater o assunto.

Se realmente defendemos a criança antes do nascimento, devemos procurar garantir que ela tenha uma vida digna após esse nascimento. Os inúmeros casos de exploração do trabalho infantil, de abuso sexual de crianças, de abandono de menores nas ruas de nosso país comprovam que só ser contra o aborto não é causa de haver uma melhor vida para a população infanto-juvenil de nosso Brasil. Aquelas que são a favor do aborto – muitas vezes utilizando o argumento de que são donas de seus corpos (argumento questionável em muitos pontos) – parecem não ter um posicionamento diferente. Assim, penso ser importante, nesse período eleitoral, observar quais os planos dos candidatos sobre a saúde pública, a educação das crianças, o combate à miséria e às drogas, a geração de emprego, a segurança pública e tantos outros aspectos que efetivamente fazem com que haja respeito à vida e à dignidade de todos, tanto daqueles que nasceram quanto de quem está por vir.

No dia 12 passado, Dia de Nossa Senhora Aparecida, dois candidatos à Presidência de nosso país estiveram na Basílica da Padroeira do Brasil, ambos com o intento de mostrar que condenam a prática de abortar. Desejo que aquele que vencer as eleições – independentemente de qual seja – não se contente apenas em afirmar que é contra o aborto, mas em criar condições que possam garantir uma vida digna para as crianças deste país.

 


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia do Professor: Vitória

Vitória de Samotrácia

Não lembro o rosto de minha primeira mestra, recordo somente seu nome: Vitória. Nome simbólico, visto nossas vitórias serem, de uma forma ou de outra, resultantes do que aprendemos de alguém que era ou se comportou como um professor.
Eu era criança, já faz certo tempo, não me recordo, então, de todas aquelas que a seguiram. De algumas me vem o nome, de outras, o semblante. Assim, quero demonstrar aqui, por meio de Vitória, um reconhecimento aos meus mestres. Gostaria de agradecer, principalmente, àquelas que me deram algo muito valioso: a habilidade de ler. Entre todas as coisas que me ensinaram, ler é uma das mais preciosas. Não me imagino sem essa capacidade que tantas vezes me alegrou, me fez pensar, me conscientizou sobre quem sou e sobre o que posso construir. Sem leitura, certamente, minha existência seria paralítica. Não posso prescindir da leitura. Não posso viver pela metade.
Não gostaria de passar este dia sem homenagear aqueles e aquelas que, certamente, contribuíram para que minha leitura de mundo se ampliasse e minha formação como pessoa e como profissional fosse vitoriosa. Reconheço, especialmente, o valor dessas pessoas que, já na neblina de meu esquecimento, me deram vida na minha vida, pois deram-me a leitura: minhas primeiras professoras.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia da Criança: Meninos carvoeiros



Hoje, Dia da Criança, relembrei um fato que presenciei há certo tempo. Vou chamar esse relato de Meninos carvoeiros, pois me lembra esse poema de Manuel Bandeira.

Saí de casa para trabalhar, era uma manhã de muita luz. Observei que a casa do outro lado da rua apresentava traços de uma festa de aniversário: enfeites pendurados por todo lado, papéis de docinhos e guardanapos espalhados pelo chão.
Quatro garotinhos franzinos se aproximavam do ponto de ônibus onde eu estava. Eles arrastavam a carcaça de uma geladeira. Dessas que os catadores de lixo usam como carroça.  Os meninos eram, também eles, catadores.
Apesar de ser manhã, os pingos de gente já estavam bastante sujos e cansados. Talvez trabalhassem desde a madrugada. Ao passarem diante da casa, estancaram. Conversaram entre si e um deles, afoito, dirigiu-se para a frente da casa – o muro era baixo e não possuía portão – e bateu palmas. Logo uma senhora gorda apareceu enxugando as mãos. Não ouvi o que disseram, mas vi quando a mulher riu e balançou afirmativamente a cabeça.
Nesse momento, o menino voltou correndo, falou algo para os outros e, animados, todos correram a tirar as bexigas que estavam nas paredes e nas árvores próximas da casa. Eles fizeram isso muito rapidamente. Alguns balões estavam presos, inclusive, muito alto! Todas as bolas de encher foram amarradas na velha carroça de lata.  
Os quatro garotinhos franzinos, rindo e saltitando, continuaram sua lida – que não é de gente pequena – puxando um velho carro enfeitado de grandes bolas coloridas. Eles estavam felizes, eles eram crianças.

Ofereço esta postagem a Charles Dickens, por seu Oliver Twist.