Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

sábado, 13 de outubro de 2012

Neymar, o jogador: mote para um texto santo




Há algumas semanas, a revista Placar foi criticada por conta de uma montagem em que aparecia Neymar crucificado (reproduzimos acima a imagem). A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou mesmo a emitir nota repudiando o periódico, acusando-o de desrespeito. Esse pequeno incidente aconteceu dias depois de charges de Maomé e um vídeo dito anti-islã terem sido divulgados, o que levou – novamente – a conflitos que resultaram em morte, inclusive do embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens, de 52 anos (pelo menos, essa foi a justificativa dada pelo crime). Recentemente, uma foto feita pelo nova-iorquino Andres Serrano foi destruída a martelo por católicos. A foto apresenta um crucifixo mergulhado em urina. Serrano afirmou que sua intenção não era ofender o espírito religioso, mas expressar a vulgarização que existe dos símbolos cristãos. Em outro caso, uma imagem de Iemanjá foi destruída em Teresina, provavelmente por cristãos.


Houve um tempo em que me escandalizava com o “desrespeito” às imagens consideradas sagradas. Sei que muitos realmente se sentem ofendidos em sua fé com essas demonstrações, mas é inaceitável que objetos de ouro, gesso, madeira ou qualquer outro material – inclusive papel – se sobreponham ao que realmente é importante: a vida do outro. Muçulmanos mataram por causa de um livro que foi queimado. Andres Serrano chegou a ser ameaçado de morte. Há muita celeuma por causa dessas ditas blasfêmias, mas pouco barulho e muito menos ação diante das ofensas ao próximo. Em nosso país, há trabalho escravo, exploração infantil, assassinatos de minorias. Diante dessas violências ao ser humano, grande parte das pessoas que professam alguma crença não se manifesta. A maioria dos crentes não se mobiliza pelo bem comum, como afirma um estudo da Universidade da Califórnia, nos EUA, que descobriu que as pessoas mais religiosas são menos solidárias do que seria de esperar. Segundo o resultado, ateus e agnósticos estão mais dispostos a ajudar. Isso prova que não é necessário um credo para ser virtuoso. Em agosto passado, milhares de católicos franceses rezaram contra a adoção de crianças por casais homoafetivos. Pergunto-me quantos desses fiéis, após a oração, dispuseram-se a adotar uma criança. 


Já me incomodei muito por causa das “blasfêmias” contra os objetos sagrados. Hoje percebo que colocar a dignidade humana sob qualquer outro valor é muito mais aviltante. A afirmação que segue talvez soe como ofensa aos religiosos, mas acredito que eu não esteja enganado: livros, animais, desenhos, fotos, hóstias não podem ser considerados mais sagrados que o ser humano. Essa é minha blasfêmia.