Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Defesa de Dissertação de Mestrado


Certamente, um blogue que não é atualizado constantemente não desperta muito interesse. Quem acompanhou as postagens anteriores sabe que, devido ao mestrado, meu tempo é muito curto. Pois bem, procurarei postar mais amiúde, visto que amanhã defendo minha dissertação. Segue abaixo as informações fornecidas pela Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará:

Discente: VANDEMBERG SIMÃO SARAIVA

Dados da Banca
Tipo:  DEFESA
Local: Sala 02 do Programa de Pós-Graduação em Letras
Data:     06/12/2011, às 9h30min
Dados do Trabalho
Título:   HAMLET NA BIBLIOTECA DE MACHADO DE ASSIS: LEITURA E DESLEITURA
Páginas: 183
Grande Área: Linguística, Letras e Artes
Área: Letras
Sub-Área: Literatura Comparada
Especialidade:
Resumo: Este trabalho propõe-se a investigar a presença do Hamlet (1600-01), de William Shakespeare, (1564-1616) em alguns textos de Machado de Assis (1839-1908). Procuramos compreender como o escritor brasileiro (des)leu a peça do dramaturgo inglês e a usou em sua criação individual. Intentamos expor a pertinência da leitura de Hamlet, de Shakespeare, feita por Machado para a construção de alguns de seus textos, a saber, a Dedicatória e o prefácio “Ao leitor”, de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), os contos “To be or not to be” (1876) e “A cartomante” (1896) e a crônica “A cena do cemitério” (1894). Inicialmente, traçamos o percurso da obra shakespeariana – principalmente Hamlet – através da sua recepção elisabetana, neoclassicista e romântica. Sob o influxo do Romantismo, Shakespeare ficou conhecido no nosso país. Machado de Assis foi leitor das obras do dramaturgo inglês e expectador de apresentações teatrais de peças shakespearianas. Conforme sua literatura e crítica literária revelam, o escritor carioca foi entusiasta das criações de Shakespeare. Acreditamos que poemas, contos, romances e peças nasceram como uma resposta a poemas, contos, romances e peças anteriores, e essa resposta dependeu de atos de leitura e interpretação por escritores posteriores. Defendemos a tese de que a escritura de Machado de Assis é resposta à leitura de Shakespeare, destacadamente a peça Hamlet. Procuramos demonstrar que Machado de Assis, como poeta forte, apropria-se da obra shakespeariana, com a convicção de que o romancista brasileiro deslê a obra de seu precursor, Shakespeare, em sua própria escrita. Utilizamos o conceito de desleitura segundo Harold Bloom (1991), ou seja, como apropriação de uma obra anterior por meio de uma correção criativa, ou uma interpretação distorcida. Analisaremos os textos machadianos acima listados, em que Shakespeare mostra-se evidente, e os compararemos ao Hamlet do autor inglês. Esses textos não existiriam se Machado de Assis não tivesse lido a obra shakespeariana.

Membros da Banca
Interno: CARLOS AUGUSTO VIANA DA SILVA
Externo à Instituição: MARIA VALDENIA DA SILVA - UECE
Presidente: ODALICE DE CASTRO SILVA


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Da mente dos macacos ao corpo dos humanos.

Já faz tanto tempo que não atualizo este blog que quase me esqueço dele. Dizem que é um desrespeito a quem nos segue não postar constantemente. Quem leu minhas postagens anteriores, porém, sabe que estou escrevendo uma dissertação de mestrado, por isso o tempo é muito, muito escasso. Devido à dor de cabeça que esse curso dá, resolvi parar de escrever e ir ao cinema para assistir ao filme Planeta dos macacos, a origem. O que vi me fez escrever este texto.

O filme conta a história de Will Rodman (James Franco), um cientista que, por razões não só profissionais – o pai possui Alzheimer – lidera uma equipe de uma grande empresa farmacêutica que busca da cura da doença por meio de experimentos realizados em macacos. Apesar dos bons resultados, empecilhos levam o laboratório a encerrar as pesquisas. Rodman adota um chipanzé, cuja inteligência evolui espantosamente. O animal é batizado de César, em homenagem à personagem de Shakespeare (sempre ele!).

Mesmo com algumas inverossimilhanças exageradas até em um filme de ficção científica, o longa levantou uma questão importante: o sentido do que é ser humano. César, gradativamente, apesar de seu corpo de macaco, desenvolve habilidades, sentimentos e posicionamentos críticos humanos. Por ser dotado de uma razão indistinta da dos homens, a personagem angaria nossa simpatia, ao ponto de nos identificarmos com os outros espécimes que passam também a raciocinar – e torcermos por eles. Em contrapartida, o pai de Rodman, progressivamente, perde a razão e, de humano, parece apresentar apenas um corpo doente. O que nos faz humanos: a razão ou o corpo? Matar os macacos tem o mesmo peso moral de matar um humano, ou o fato de possuírem consciência os torna semelhantes a nós? Se a razão é o que nos torna homens e mulheres, o pai do cientista perdeu sua humanidade por estar destituído de sua razão devido a um processo degenerativo?



Isso me levou a pensar na exposição sobre o corpo humano que ocorre aqui em Fortaleza. Nela, podem-se ver cadáveres e órgãos plastificados. Os corpos são posicionados de modo a sugerir movimento. Mesmo os rostos possuem expressões. A única coisa não natural são os olhos, substituídos por esferas de vidro, além da pintura, já que corpos esvaziados de fluidos (primeira etapa do processo de preservação) ficam cinza.

Ao ver aqueles corpos, imaginei se não os tratamos como objetos. Calma! Não estou falando da “sacralidade do corpo” ou outras questões religiosas, mas sim do que faz com eles sejam humanos ou objetos. Considerá-los máquinas ou brinquedos de exposição não me parece muito agradável. Quem foram? O que fizeram? Quais os seus sonhos? Penso ser quase impossível olhar para eles e não se indagar sobre isso. Por ser um corpo morto, cortado, pintado ou plastificado, torna-se um simples objeto?

Outra questão que se impõe é a origem dessas... pessoas? Os cadáveres utilizados vêm da China, onde existe a indústria de plastinação. Já se cogitou que, em outra exposição semelhante, os corpos eram de prisioneiros executados pela ditadura chinesa. Os organizadores da exposição que está em fortaleza garantem que os corpos que usam não foram vítimas de crueldade.

Aqui faço um exercício de imaginação, semelhante ao de Hamlet[1] ao conjecturar sobre Alexandre, o Grande. Imagino que um daqueles corpos pertenceu a um jovem chinês que, há mais de duas décadas, enfrentou tanques na Praça da Paz Celestial. Se tivéssemos esta certeza, acharíamos que aquele corpo que observamos é apenas mais um espécime?




[1] HAMLET
To what base uses we may return, Horatio! Why may
not imagination trace the noble dust of Alexander,
till he find it stopping a bung-hole?

HORATIO
'Twere to consider too curiously, to consider so.

HAMLET
No, faith, not a jot; but to follow him thither with
modesty enough, and likelihood to lead it: as
thus: Alexander died, Alexander was buried,
Alexander returneth into dust; the dust is earth; of
earth we make loam; and why of that loam, whereto he
was converted, might they not stop a beer-barrel?
Imperious Caesar, dead and turn'd to clay,
Might stop a hole to keep the wind away:
O, that that earth, which kept the world in awe,
Should patch a wall to expel the winter flaw!


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Greve dos professores do Ceará: uma questão de dinheiro.



Os professores estaduais do Ceará entraram em greve hoje, 5 de agosto. Em outras localidades brasileiras, como Rio de Janeiro, há tempos os profissionais do magistério pararam suas atividades. O motivo é dinheiro. Ou melhor, a falta dele.

Em um país em que a educação não é considerada algo de muito valor, entende-se a desvalorização do professor. Durante décadas, a categoria ficou sem um piso que lhe assegurasse uma renda, no mínimo, compatível com a importância da atividade que executa. Quando foi estipulado, então, um piso para esses profissionais, alguns estados da federação, entre eles o Ceará, alegaram inconstitucionalidade da lei.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal sentenciou que o texto é constitucional. O piso nacional passou a ser de R$ 1.187,97 para professores de nível médio, aqueles que não cursaram Ensino Superior[1]. A lei, porém, está sendo desrespeitada, de tal forma que duas diretoras da subsede de Ipatinga do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) estão fazendo greve de fome desde terça-feira, dia 2. Elas estão acampadas em uma sala perto do gabinete do prefeito se alimentando apenas de água[2]. Em Fortaleza, os professores municipais, em recente greve, foram recebidos com spray de pimenta pela Guarda Municipal.

No caso do Estado do Ceará, a justificativa é que há limitação no orçamento. Seria uma explicação razoável se a Lei do Piso não estipulasse que a União se compromete a complementar o pagamento do piso nos estados que não conseguirem arcar com a despesa. “Aí que está o problema. Se abertas as contas, ficaria provado que os Estados têm recursos para pagar o piso e que constantemente desviam dinheiro da educação para outros fins”, apontou o professor e historiador Airton de Farias, segundo nos informa Érico Firmo, jornalista do jornal O Povo. “O que temos é um governo descumprindo a mais alta corte do Judiciário brasileiro, numa afronta ao Estado democrático de Direito”, acrescentou.[3]

Em nome da lei, fichas-sujas têm seu direito à posse garantido. Em nome da lei, uma empresa que utiliza trabalho escravo consegue a ilegalidade da denúncia feita pelos fiscais [4]. Mas, para o cumprimento da lei, os professores precisam fazer greve, humilhar-se. O barbeiro perto de minha casa cobra 10 reais para fazer um serviço que não leva 30 minutos. A manicure cobra 15 reais para fazer mãos e pés de uma cliente. Um professor do Estado do Ceará em início de carreira ganha menos que isso por aula. Não quero desmerecer as profissões acima, elas fazem jus ao que recebem. Relevo aqui a situação do professor, que é desvalorizada.

A proposta do governo do Ceará visa diminuir a gratificação dos especialistas, mestres e doutores.[5] O aumento de proventos entre um graduado e um doutor não chega a 300 reais na proposta do governo. Dessa maneira, não há valorização dos docentes pela falta de perspectivas para ascensão funcional. A proposta governista desmotiva ainda mais uma categoria já desmotivada, que normalmente trabalha em escolas sem estrutura, em salas superlotadas e com violência.[6]

Dizem que a educação é capaz de mudar um país para melhor, que é possível, por meio dela, construir sociedades mais justas. Acredito que isso seja verdade, já que países como Coreia do Sul e Finlândia comprovam isso. No entanto, no Brasil, não se acredita realmente nisso, pois não há grande preocupação com esse assunto, pois são pouco numerosas as atitudes concretas para melhorar o sistema educacional. Geralmente, os pais não estão muito preocupados com a educação, os alunos também não, os governos – não importa a instância – também não. Muitos professores também não, infelizmente.

Alguns economistas e administradores, repito, economistas e administradores, afirmam que aumentar salário de professor não melhora a educação. Certamente, não é tão forte a relação salário/produtividade. Vejamos: ainda que o professor cearense na escola pública receba o 5º pior salário do país e o 4º pior da Região Nordeste, o IDEB classifica o ensino do Ceará, na escola pública, como o melhor do Nordeste. Essa informação mostra que, apesar do baixo salário, o profissional cearense é um bom educador, mesmo recebendo salário inferior ao oferecido pelo Estado do Maranhão, por exemplo. 

Esses grandes sábios afirmam que são necessárias metas que os professores devem cumprir. Concordo que deva haver metas, mas que sejam factíveis. Até o rei solitário do Pequeno Príncipe sabe disso. Deve haver estrutura para a boa aprendizagem, não somente o material básico, que muitas vezes é inexistente, como o papel; mas também um ambiente propício à educação, como escolas com boa estrutura e sem lotação. Se isso é utopia para nós, brasileiros, em muitos lugares é realidade cotidiana.

No nosso mundo capitalista, ganha melhor aquele que é tido como de mais valia. Nesse contexto, com não muitas exceções, os professores de escolas públicas e muitos de estabelecimentos particulares brasileiros são considerados profissionais sem muito valor, pois trabalham com algo que parece não merecer importância: a educação.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Miniconto(?): Ofélia



A jovem Ofélia, agarrada a seu livro, adentrou-se na floresta.
There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoar leaves in the glassy stream;
There with fantastic garlands did she come
Of short stories, fairy tales, poems, and long novels.
Subiu na árvore, envolveu-se nas folhas,
An envious sliver broke;
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide;
And, mermaid-like, awhile they bore her up.
Porém as folhas encharcaram-se
E no turbilhão labiríntico em que estava
Para o fundo arrastaram-na.
Too much of words hast thou, poor Ophelia.


Para Luciana Sousa, como incentivo a seu projeto de pesquisa.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sonhei com Machado de Assis



Sonhei com Machado de Assis. Ele estava caminhando na Av. Pe. Pedro de Alencar, em Messejana, terra de José de Alencar, quase em frente à Farmácia Pague Menos. Eu estava do outro lado. Acenei. Ele me respondeu com outro aceno e um sorriso. Coisas de sonho. Atravessei a avenida e tentei falar com ele.

É claro que passou pela minha mente fazer aquela pergunta sobre a Capitu que tantos gostariam de fazer... mas não a fiz. Por quê? Ora, porque a resposta dele seria apenas a resposta do autor. Apenas mais uma entre tantas possibilidades que o texto pode demonstrar. O texto literário se reinventa a partir das interpretações de seus leitores. A arte desvela, não revela. Sendo linguagem simbólica, o mundo proposto pela literatura é separado do real, e as palavras perdem sua determinação e segurança, como afirma Cyd Ottoni Bylaardt, em seu artigo “Autoria e morte em O manual dos inquisidores, de António Lobo Antunes”, no livro As máscaras de Perséfone (2006, p. 18). Além disso, a questão do provável adultério é uma entre as várias questões que podem ser percebidas em D. Casmurro, e certamente não é a mais importante, você não acha?

Pintura de Werner Horvath

Esse sonho com Machado não foi de agora. Ocorreu há certo tempo, quase há um ano. Relembrei-o aqui porque hoje sonhei com outro escritor: Nikos Kazantzakis. Para quem não o conhece, Kazantzakis foi um poeta, romancista e filósofo grego. Uma de suas obras cuja leitura me foi marcante chama-se A última tentação de Cristo. Esse romance talvez não seja o trabalho mais importante dele, mas certamente é o mais conhecido. Ao lê-lo, não consegui deixar de fazer contrapontos com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago. No sonho, após breve palestra, Kazantzakis, sentado em um sofá na casa de minha avó – coisas de sonho, repito – preparava-se para responder a duas perguntas minhas: você leu o Evangelho de Saramago? Essa leitura foi importante para a construção de seu romance? Acordei nesse momento.

Para quem conhece a abra do grego e do português, a resposta óbvia é não, pois o romance de Saramago foi publicado trinta anos depois do de Nikos, em 1991. Os sonhos não conhecem tempo ou espaço, nem mesmo as pessoas, já que, em meu sonho, Kazantzakis lembrava muito o velho Saramago. Mas a pergunta é pertinente, já que obras literárias nascem como respostas a obras literárias anteriores e que essa resposta depende de atos de leitura e interpretação pelos escritores posteriores – atos que se refletem nas novas obras. Assim, o estudo das fontes literárias de um autor é importante para a compreensão do processo criativo daquele que escreve.

Penso que esses sonhos se devam à dissertação que estou escrevendo, sobre leituras por parte de escritores, e principalmente ao texto que estou trabalhando agora: A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de Vigotski, para quem o melhor intérprete não é o autor, mas o leitor.







segunda-feira, 13 de junho de 2011

Πεντηκοστή, ou a Babel de uma reportagem de Veja.



Devido à pesquisa do mestrado, não atualizo este blog há certo tempo. No entanto, não poderia deixar de fazer menção à solenidade de Pentecostes, a festa das línguas, da unidade, da compreensão humana, celebrada ontem.

Há duas narrativas míticas que muito me agradam: a da Torre de Babel e a de Pentecostes. Isso porque ambas tratam do fenômeno das línguas e de sua compreensão. Em Babel, temos a multiplicação das línguas, para que o homem – conhecedor até então de um único idioma – não cometa a loucura de trabalhar por algo inútil. A construção de uma torre que alcançasse o céu era despropositada, visto que Deus tem que se abaixar para que possa ver a tal construção. “Mas o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que construíram os filhos dos homens.” (Gn 11, 5) Em Pentecostes, há o inverso. Sem haver uma unidade linguística, acontece o entendimento, que produz algo novo na multiplicidade dos idiomas.

Sendo professor de Língua Portuguesa, não posso deixar de fazer um contraponto entre o Pentecostes feito pela Linguística moderna, que é uma ciência autônoma, e a Babel, a confusão, causada por uma reportagem, no mínimo leviana, da revista Veja. Com o título de “Os adversários do bom português”, a reportagem, de duas páginas, é exemplo de texto babélico: gerador de confusão.

O texto faz referência ao livro Por uma vida melhor, de Heloísa Ramos, e o acusa de propagar ideias de falsos intelectuais, sem definir muito bem quem sejam eles. A reportagem induz o leitor ao equívoco de imaginar que a obra de Heloísa Ramos ensina os alunos a falar "errado," desprezando a norma padrão. Isso não é verdade, o livro defende – em consonância com os estudos linguísticos – uma suposta supremacia da linguagem oral sobre a linguagem escrita, substituindo conceitos de "certo e errado" (tão anacrônicos) por "adequado ou inadequado". A partir daí, frases com “erros” de português como "nós pega o peixe" poderiam ser consideradas corretas em certos contextos. De maneira alguma o livro promove o ensino das formas não-padrão, pelo fato simples e óbvio de que elas já são conhecidas pelo alunado. O texto de Veja é Babel.

O livro foi adotado pelo MEC, portanto indicado por professores que estão nas salas de aula, conhecem a realidade dos estudantes e dominam o que ensinam. Ao criticar a escolha de profissionais de maneira tão imprudente, colocou-se em questão o discernimento de inúmeros profissionais por causa de uma visão sem fundamento racional, apenas baseada em senso comum.

Ao falar de preconceito linguístico – que é fato, e não hipótese acadêmica –, a reportagem afirma ser isso uma estupidez. Para dar ares de autoridade, o texto de Veja se apoia em Evanildo Bechara, gramático conceituado e integrante da Academia Brasileira de Letras (como José Sarney e Paulo Coelho). Ao mencionar o linguista Marcos Bagno, cujo estudo sobre o tema é respeitado por ser trabalho sério de pesquisa, as repórteres o chamam de “um certo” Bagno, além de expoente dos “talibãs da linguística”. Bagno é professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), escritor premiado de obras literárias e educacionais. O modo como foi descrito pelo texto de Veja só revela a falta de, no mínimo, respeito pelo estudioso. Ele sequer foi consultado, como também não foi Heloísa Ramos. Novamente temos confusão, babel.

Ao considerar acadêmicos como talibãs da linguística e preguiçosos mentais, o texto promove uma inversão de papéis que é falsa. Vejamos, talibãs são integrantes de um movimento radical religioso que interpreta o Alcorão ao pé da letra, inclusive matando para impor sua crença. Não há espaço para senso crítico nesse fanatismo. Os talibãs, dessa forma, seriam bem mais próximos dos puristas gramatiqueiros que não aceitam arredar um passo do que diz as sagradas gramáticas, apesar de elas possuírem incontáveis incongruências entre si. Comparem a Moderna Gramática Portuguesa, de Bechara, e a Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra. Algumas vezes se contradizem. Não digo que essas obras não sejam compêndios de respeito, mas elas não dão conta de toda a vida que há no idioma. Aula de português não pode se restringir à aula de gramática ou, pior, de gramatiquês. Bem diferente é o trabalho dos linguistas, cientistas que se debruçam sobre o fenômeno das línguas para compreendê-las e explicá-las sem dogmatismos.

A reportagem de Veja, e de outros setores da mídia, gerou uma confusão cujos ecos ouvi na Assembleia Legislativa de meu estado, o Ceará. Percebi como aqueles que se pronunciavam contra o livro Por uma vida melhor não tinham sequer lido duas das mais de cem páginas do volume, em que a gramática padrão, de maneira alguma, foi colocada no lixo. Ao ler o texto de Renata Betti e Roberta de Abreu Lima, senti-me como alguém diante de um texto sobre medicina escrito não por médicos, mas por pacientes que se diagnosticam com base em pesquisas na Internet.

Ontem foi Pentecostes, certamente um senhor que conheço, de mais de 90 anos, bem lúcido e saudável, deve ter ido à Capela de São José, em meu antigo bairro, para celebrar essa solenidade. Seu João Sebastião – esse é seu nome – aprendeu a ler com mais de 50 anos através da Bíblia.  Semianalfabeto, seu João Sebastião gosta de, ao fim da missa, dar uma pequena mensagem. Quando isso acontece, pouquíssimos na igreja não reclamam. Não gostam de escutar seu João falar. “Um analfabeto desses, não sabe nem pronunciar as palavras direito. Que chatice!” – é o que dizem costumeiramente. Eu gosto de ouvir o seu João. Sua fala, trôpega na sintaxe e na ortoepia, possui uma coerência e uma coesão admiráveis para alguém que lê tão pouco. Ele se aproveita das leituras bíblicas da celebração e, com metáforas de seu trabalho – ele ainda é agricultor –, constrói um discurso singular. Mas seu João não domina a gramática dita culta, seu João é inculto (será?), talvez por isso ele não seja escutado. Se seu João dominasse a gramática, ele não sofreria esse preconceito linguístico. Todos respeitam a gramática, gostaria que todos respeitassem a língua inteira e seus falantes.

Ao seu João dedico esta postagem.



Abaixo, sugiro alguns textos que ajudam na desconstrução da Babel e na aproximação de um Pentecostes.  Se a confusão se faz em duas páginas, a unidade precisa de bem mais espaço. Construir sempre é mais difícil.





Haddad diz que livro 'Por uma vida melhor' do MEC não preconiza erro gramatical

Eis a página que gerou tanta celeuma, mas que poucos leram. Fonte:http://blog.30porcento.com.br/


terça-feira, 26 de abril de 2011

26 de abril: batismo de Shakespeare.

Detalhe do documento de batismo de William Shakespeare. Na imagem abaixo, outro detalhe do mesmo documento, em que se lê, em latim, a frase: William (Guilherme), filho de Jonh Shakespeare.




Como havia dito em minha última postagem, hoje, Batismo de Shakespeare, tentarei expor uma pequena lista de obras da crítica shakespeariana. Há um labirinto de títulos em que o leitor curioso pode, agradavelmente, se perder. Aqui elenco alguns textos interessantes em português e relativamente fáceis de encontrar.

De Bárbara Heliodora, a maior autoridade em Shakespeare do Brasil, volto a indicar o Falando de Shakespeare e o Por que ler Shakespeare. Apesar de introdutórios, não pecam por superficiais. O homem político em Shakespeare, outro trabalho dessa grande crítica teatral, disserta sobre a questão de o viés político ser uma constante em todas as peças do Bardo. Aqui, é necessário um conhecimento maior do teatro do autor inglês, principalmente dos dramas históricos. A escrita de Heliodora não é cansativa e suas colocações são extremamente pertinentes. Sugiro também, como introdução, a revista EntreLivros EntreClássicos William Shakespeare. Os artigos trazem informações seguras e críticas pertinentes.

Para a biografia do poeta inglês, sugiro Shakespeare, de Claude Mourthé. É um livrinho de bolso que possui uma explanação da vida e da obra de Shakespeare de forma concisa sem abandonar a criticidade. Outros títulos mais volumosos são Shakespeare: vidas ilustradas, de Anthony Holden, e Shakespeare: uma vida, de Park Honan.

Para quem já conhece as obras shakespearianas e quer um maior aprofundamento, não há como não ler o crítico norte-americano Harold Bloom. Em seu Shakespeare: a invenção do humano, há a análise de cada uma das peças do dramaturgo inglês, com o objetivo de defender uma tese polêmica: Shakespeare é o criador do homem moderno. Além desse título, aconselho a leitura de Hamlet: poema ilimitado e de O cânone ocidental. Ambos de Bloom. Sobre a escrita shakespeariana, convém conhecer A linguagem de Shakespeare, de Frank Kermode.

Outros nomes que não posso deixar de mencionar são Northrop Frye, com o seu Sobre Shakespeare (esgotado, mas facilmente encontrado em sebos virtuais). Nesse livro, Frye afirma que, se não houvesse Hamlet, talvez nem tivéssemos tido o movimento romântico ou as obras de Dostoiévski, Nietzsche e Kierkegaard, que a seguem e reelaboram a situação hamletiana em rumos que vão progressivamente se aproximando de nós. Shakespeare: nosso contemporâneo, de Ian Kott, é um volume que não pode estar ausente deste estante. Por fim, A tragédia shakespeariana, de A. C. Bradley. Todos esses títulos constituem um bom número de obras, com tradução em português, que contemplam a análise das peças de Shakespeare.

Por fim, quero dizer que bem mais importante que conhecer esses textos críticos são a leitura e a releitura das peças de William Shakespeare, quer no original, quer nas versões para o português. Boa leitura.

sábado, 23 de abril de 2011

Salve, Jorge! Salve, Shakespeare!



Hoje a Inglaterra comemora São Jorge, seu padroeiro, e William Shakespeare, seu maior escritor. Ao fazer esta postagem, interrompo a escrita de minha dissertação para fazer menção a esse autor cuja leitura tanta satisfação me traz. O assunto de minha pesquisa também não poderia calhar melhor, as relações entre Shakespeare e Machado de Assis, outro grande leitor do Bardo.

Não intento discorrer sobre a genialidade do poeta de Stratford ou a qualidade de suas peças. Para isso, há grandes críticos, cujas algumas referências cito no final desta postagem. O objetivo é de fazer um reconhecimento ao dramaturgo inglês, que tem sido um bom amigo há certo tempo. Li Shakespeare pela primeira vez aos 14 anos. Assisti ao filme Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli, na década de 80, em um Supercine, da TV Globo, creio eu. Curioso, comprei alguns livros: Romeu e Julieta, A tempestade e Rei Lear (desta última entendi pouca coisa na época). Eram traduções de Carlos Alberto Nunes para o português. Depois de certo tempo, abandonei esses livros.

Com mais maturidade, retomei minhas leituras shakespearianas, e elas me trouxeram muita aprendizagem. Aos poucos, o número de volumes sobre a obra e a vida do dramaturgo inglês foi crescendo. Shakespeare fez com que eu lesse Goethe, Victor Hugo, Voltaire e Machado de Assis. Fez com que me interessasse por política, história, filosofia, arte. Fez com que eu lesse o mundo e as pessoas de maneira diferente, quiçá mais próxima do que realmente são. Totus mundus agit histrionem. Passei a entender melhor, por causa dele, a literatura e o valor da leitura. Devido a ele, sou mais atento à arte do cinema. Para lê-lo mais detidamente, tento compreender cada vez mais o inglês (seria mais fácil se ele fosse francófono, diminuiria muito meus problemas).

Neste tempo de Semana Santa, lembro uma frase de Machado de Assis ao afirmar que, na ceia da arte, Shakespeare nos dá de comer sua carne e de beber seu sangue. O livro de Shakespeare é um evangelho. Suas personagens revelam-nos e constroem-nos. Sua figura tornou-se deus de uma religião secular, e quem o conhece aquieta-se e, como se desfilasse contas de rosário, murmura, conforme fez Jorge Luis Borges em famosa conferência, o santo nome: Shakespeare. Pode-se viver muito bem sem conhecer o dramaturgo inglês, mas a vida torna-se mais rica se o lermos. A arte é uma das poucas justificativas existentes para a vida.

Apesar de hoje ser um leitor bem mais proficiente do teatro shakespeariano, ainda sinto o prazer que essa leitura me proporcionava quando mais jovem. Muitas vezes perdemos esse gosto quando estudamos demais uma obra. Atualmente, Shakespeare continua sendo um bom amigo para mim. Seu aniversário – data convencional, pois não se sabe em que dia ele nasceu, visto que o primeiro documento oficial existente hoje é sua certidão de batismo – é um dia assinalado. Para marcá-lo aqui, cito Machado, mais que leitor de Shakespeare:

Tudo são aniversários. Que é hoje senão o dia aniversário natalício de Shakespeare? Respiremos, amigos; a poesia é um ar eternamente respirável. Miremos este grande homem. [...] E acabemos aqui; acabemos com ele mesmo, que acabaremos bem. All is well trat ends well.




                 
Deus, qui nos beati Georgii Martyris tui meritis et intercessione lætificas : concede propitius ; ut, quia tua per eum beneficia poscimus, dono tuæ gratiæ consequamur. Per Dominun nostrum.


Sugiro, para os iniciantes, as obras de Shakespeare editadas em português pela L&PM Pocket. As traduções são de qualidade. Os textos Falando de Shakespeare e Por que ler Shakespeare?, ambos de Bárbara Heliodora, são esclarecedores para quem começa a entrar no mundo shakespeariano. 
Para o leitor proficiente em inglês, sugiro as edições Arden. O volumoso Shakespeare: a invençao do humano, de Harold Bloom, é um importante estudo para quem já conhece o Bardo do Avon.
Na próxima terça-feira, dia do batismo de Shakespeare, elencarei uma bibliografia mais extensa.




segunda-feira, 18 de abril de 2011

A tragédia do Realengo e as pequenas tragédias na sala de aula.



Hoje, a escola Tasso da Silveira abriu novamente suas portas para receber os alunos e reiniciar suas atividades. Depois do massacre ocorrido em suas dependências, que resultou na morte de 12 estudantes no último dia 7, reacendeu-se a discussão sobre o bullying. Costuma-se ligar o bullying somente a agressões entre alunos, mas há um agente importante para a propagação dessa violência: o professor.

Conheço os inúmeros problemas que envolvem o exercício da profissão, pois já trabalhei em escola particular e pública. Mesmo que muitos pedagogos e especialistas em educação afirmem que a responsabilidade maior do ensino e da aprendizagem cabe ao profissional do magistério, não se podem negar as interferências de inúmeros obstáculos ao professor na sala de aula: criminalidade, escassez de material, ausência de comprometimento dos pais e de outros profissionais da própria escola. No entanto, acredito que, apesar das dificuldades, não nos cabe promover a discrininação dos alunos. 

Não aludo a certos momentos de descontrole entre professores e alunos, cujos motivos talvez expliquem muitos conflitos em sala de aula, ainda que nem sempre os justifiquem. Refiro-me a ideias proferidas por professores – que são formadores de opinião – que atentam contra a dignidade de muitos estudantes. Em minha postagem anterior, mencionei o resultado de uma pesquisa que aferiu o preconceito na sala de aula. Constatou-se que grande parte dos professores manifesta-se de forma discriminatória contra certos grupos de alunos, principalmente os deficientes físicos e mentais, os negros, os homoafetivos e os pobres. Essa situação é seriíssima. Se o professor endossa uma visão preconceituosa, os alunos sentem-se confiantes para continuar a cometer bullying contra outros estudantes, o que nem sempre resulta em agressões físicas, mas sempre acaba com feridas na autoestima, na melhor das hipóteses.

Já soube de professores que se negaram a receber em suas salas de aula alunos com deficiência física e reagiram mal à presença de cegos na classe. Tive conhecimento de um professor de biologia que sugeriu, para acabar com a AIDS, juntar todos os aidéticos e matá-los. Na sala dele havia uma aluna que nasceu com o vírus HIV. A juíza baiana Luislinda Valois, 66 anos, conta que, criança, estava alegre com o compasso de madeira que seu pai havia comprado com certa dificuldade. Quando o professor viu que o material não era de plástico, disse: “Você não devia estar estudando, e sim cozinhando feijoada para branca!”. Ainda hoje, 58 anos depois, a juíza ainda se emociona ao lembrar a cena. Esses casos são apenas alguns exemplos de vários, basta uma pequena pesquisa em sites sérios da Internet para verificar a gravidade do problema. Essas situações podem estar acontecendo em nossas salas de aula, ou poderão ocorrer em outras, com nossos filhos, sobrinhos ou outras pessoas a quem amamos.

A escola não pode se esquivar de seu papel de promotora de valores humanos, cidadania e tolerância. Não convêm, em uma instituição em que a pluralidade é constante, profissionais que não sabem discernir admoestação de ofensa, preconceito e discriminação. Se a escola não for tolerante, quando haverá tolerância em nossa sociedade? 

Termino esta postagem mencionando o fato de que vizinhos pintaram de branco o muro pichado com os dizeres "assassino e covarde" da casa da família de Wellington Oliveira, o assassino das crianças da escola do Realengo. Os portões, que haviam sido arrombados, foram fechados com cartolina branca, e colocaram em frente à casa um cartaz pedindo paz. Muitas marcas deixadas pelo professor são indeléveis. Elas nunca sumirão totalmente, mesmo que diversas pessoas de boa vontade tentem apagá-las, como fizeram os vizinhos de Wellington.

sábado, 9 de abril de 2011

De holocaustos lembrados e esquecidos.



Quando se fala em holocausto, normalmente lembramos o Holocausto judeu perpetrado pelos nazistas. Vários filmes, livros e documentários não permitem que nos esqueçamos das atrocidades cometidas contra os hebreus. Alguns sobreviventes ou descendentes deles também estão empenhados para não permitir que o massacre fique olvidado. Mas a história se repete, senão com judeus, com outros grupos étnicos. Basta lembrar Ruanda, Kosovo e Camboja.

Holocausto, com maiúscula, passou a significar o genocídio judaico. No entanto, houve, na II Guerra, perseguições a outros grupos, dentre eles deficientes físicos e mentais, negros e gays. Hoje, a perseguição a esses grupos não é muito lembrada. São raros os filmes, livros e documentários sobre isso. Alguém que me lê conhece algum? Imagino que não.

A II Grande Guerra acabou; o (neo)nazismo, não ainda. As ideias discriminatórias endossadas pelos nazistas, essas são bem mais antigas que esse monstruoso movimente e bem mais longevas. A Voz dessas ideias que roubam, matam e destroem não quer calar. Seus ecos se fazem escutar em muitos lugares, inclusive naqueles que deveriam prezar pela solidariedade entre as pessoas e respeito às diferenças.

Um desses lugares é a escola. Segundo uma pesquisa de 2009 feita pela Faculdade de Economia e Administração da USP, o preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais e mães, professores, diretores e outros funcionários das escolas brasileiras. O grupo mais discriminado é o de deficientes, principalmente os mentais. Negros e homossexuais se seguem na lista da discriminação. A Voz que ecoava nos ouvidos nazistas repercute em nossas escolas, as quais, por sua vez, são espelho da sociedade brasileira. 

Outros lugares são as igrejas. Recentemente, o twitter do deputado e pastor Marco Feliciano expunha a seguinte mensagem: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss”. Desqualificar toda uma população continental usando como argumento um mito como se fosse fato é imoral. É desconsiderar toda uma história de exploração de povos por interesses econômicos e políticos. O comentário foi de uma pessoa apenas, mas reflete o pensamento de muitos fiéis de várias congregações que apóiam o desrespeito ao outro a partir de teologias que ferem a dignidade alheia.

Outro lugar são as câmaras legislativas. Recentemente, houve a polêmica envolvendo o parlamentar Jair Bolsonaro ao responder a uma pergunta do programa humorístico “CQC” exibido no último dia 28. A cantora Preta Gil perguntou ao deputado o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. A resposta, considerada racista, foi a seguinte: “ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu". O deputado afirmou que se confundiu com a pergunta feita e não se referiu aos negros em sua resposta. Desde então, Bolsonaro faz criticas a homossexuais e elogios a ditadura militar em algumas entrevistas.

Uma manifestação em São Paulo de apoio a esse parlamentar foi convocada na Internet. O protesto, batizado de “ato cívico”, divulgou-se em rede sociais, como o Orkut, e no fórum “Stormfront.org”, administrado pelo movimento neonazista “White Pride World Wide”, segundo informa o site de notícias UOL. A convocatória, publicada por um membro denominado “Erick White”, é finalizada com os números “14/88”, simbologia nazista que faz referência a Adolfo Hitler e ao nacionalista norte-americano David Lane, defensor do mito (entenda-se mentira) da supremacia branca. É a opinião de um deputado apenas, dirão alguns. Ela representa, porém, a visão de vários eleitores que o escolheram por essas ideias. De acordo com policiais que estiveram no local da manifestação, oito pessoas foram identificadas por envolverem-se em atividades sob investigação, como participação violenta em protestos racistas e homofóbicos, inclusive com artefatos explosivos.

Um colega me disse que as pessoas que concordam com essa Voz não são muitas. Mesmo que seja assim, não deixa de ser alarmante, pois há ideias envolvidas que produzem destruição e morte. Além disso, muitos que reafirmam esse ideário são formadores de opinião: políticos, líderes religiosos, jornalistas, professores. A Voz insiste em não calar. Ela não grita sua mensagem, somente murmura seu veneno aos ouvidos. Ela vem para roubar, matar e destruir. Em nosso país, ela não pode ter vez. Deve ser abafada, para que a VOZque realmente importa seja ouvida, aquela que diz que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.


segunda-feira, 28 de março de 2011

Da ficha limpa à ficha suja: lembranças de uma parábola.



Começo esta postagem com uma parábola. Talvez isso vá contra a concisão que um texto para um blog deve ter. Mas prolixidade é uma idiossincrasia vandemberguiana, segundo os pensadores F. Teixeira e A. Cruz. Assim, não fugirei dela. Eis a parábola, talvez você, caro internauta, já a tenha ouvido, com leves mudanças.

Certo homem encontrou um pedinte que, há duas décadas, era cego. Diante daqueles que os circundavam em plena praça pública, o desconhecido lhe restituiu a visão. Obviamente quase todos se admiraram – os céticos ficaram a pensar como teria sido o embuste. Isso, porém, é detalhe. Mais impressionante foi a atitude de alguns juízes que surgiram dizendo que, naquele dia, era proibido fazer tal cura. A lei era clara: não era lícito curar cegos naquela segunda-feira daquele ano. Isso só poderia ser feito no ano seguinte. Já que o rapaz não tinha visão há vinte anos, bem poderia esperar mais um para voltar a enxergar.

Essa parábola surgiu quando soube da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aplicabilidade da Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, nas eleições do ano passado. Muitos, muitíssimos, queriam que a Lei valesse para as eleições de 2010. Já outros, por motivos legais ou escusos, diziam que isso iria ferir a responsabilidade cívica e atentar contra o próprio estado democrático de direito, pois haveria a violação de dispositivos da Constituição.

Não sei Direito direito, mas sei contar e, se 7 meritíssimos juízes dizem que a Lei não pode ser aplicada ao pleito de 2010 e 6 outros meritíssimos juízes tão meritíssimos quanto os primeiros têm opinião diversa, obviamente a decisão foi acertada. Sete estão corretos, e seis estão errados. (Informaram-me há pouco que a votação não foi bem assim. Mas o ministro Fux não veio para desempatar o 5x5?)

Não sei direito Direito, mas percebi que – salvo grande engano meu – não é a lei feita para o cidadão, mas o cidadão para a lei. Percebi que a ética não está entronizada acima da lei, por isso a lei nem sempre promove a ética (quanta repetição desnecessária de palavras!): saem os fichas-limpas, entram os fichas-sujas.

De acordo com o ministro Fux, a Lei da Ficha Limpa é “um dos mais belos espetáculos democráticos com escopo de purificação do mundo político”. Para ele, o intuito da moralidade é louvável, mas não pode ultrapassar um critério técnico estabelecido pela Constituição. “A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro, uma aspiração legítima da sociedade brasileira. Mas não pode ser um desejo saciado no presente, em homenagem à Constituição brasileira”. Eu me pergunto quando será esse futuro, já que a ética não se sobrepõe à técnica.

O povo brasileiro não vota bem, pois não tem consciência cidadã suficientemente madura para isso. Para ajudá-lo a não cometer tantos erros, a Lei da Ficha Limpa parecia um pequeno milagre a dar visão a um cego. Será que o milagre – como dizem os céticos – revelou-se, pelo menos por enquanto, um engodo?



Sugiro a leitrua de: Fux vota contra Ficha Limpa em 2010