Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A tragédia do Realengo e as pequenas tragédias na sala de aula.



Hoje, a escola Tasso da Silveira abriu novamente suas portas para receber os alunos e reiniciar suas atividades. Depois do massacre ocorrido em suas dependências, que resultou na morte de 12 estudantes no último dia 7, reacendeu-se a discussão sobre o bullying. Costuma-se ligar o bullying somente a agressões entre alunos, mas há um agente importante para a propagação dessa violência: o professor.

Conheço os inúmeros problemas que envolvem o exercício da profissão, pois já trabalhei em escola particular e pública. Mesmo que muitos pedagogos e especialistas em educação afirmem que a responsabilidade maior do ensino e da aprendizagem cabe ao profissional do magistério, não se podem negar as interferências de inúmeros obstáculos ao professor na sala de aula: criminalidade, escassez de material, ausência de comprometimento dos pais e de outros profissionais da própria escola. No entanto, acredito que, apesar das dificuldades, não nos cabe promover a discrininação dos alunos. 

Não aludo a certos momentos de descontrole entre professores e alunos, cujos motivos talvez expliquem muitos conflitos em sala de aula, ainda que nem sempre os justifiquem. Refiro-me a ideias proferidas por professores – que são formadores de opinião – que atentam contra a dignidade de muitos estudantes. Em minha postagem anterior, mencionei o resultado de uma pesquisa que aferiu o preconceito na sala de aula. Constatou-se que grande parte dos professores manifesta-se de forma discriminatória contra certos grupos de alunos, principalmente os deficientes físicos e mentais, os negros, os homoafetivos e os pobres. Essa situação é seriíssima. Se o professor endossa uma visão preconceituosa, os alunos sentem-se confiantes para continuar a cometer bullying contra outros estudantes, o que nem sempre resulta em agressões físicas, mas sempre acaba com feridas na autoestima, na melhor das hipóteses.

Já soube de professores que se negaram a receber em suas salas de aula alunos com deficiência física e reagiram mal à presença de cegos na classe. Tive conhecimento de um professor de biologia que sugeriu, para acabar com a AIDS, juntar todos os aidéticos e matá-los. Na sala dele havia uma aluna que nasceu com o vírus HIV. A juíza baiana Luislinda Valois, 66 anos, conta que, criança, estava alegre com o compasso de madeira que seu pai havia comprado com certa dificuldade. Quando o professor viu que o material não era de plástico, disse: “Você não devia estar estudando, e sim cozinhando feijoada para branca!”. Ainda hoje, 58 anos depois, a juíza ainda se emociona ao lembrar a cena. Esses casos são apenas alguns exemplos de vários, basta uma pequena pesquisa em sites sérios da Internet para verificar a gravidade do problema. Essas situações podem estar acontecendo em nossas salas de aula, ou poderão ocorrer em outras, com nossos filhos, sobrinhos ou outras pessoas a quem amamos.

A escola não pode se esquivar de seu papel de promotora de valores humanos, cidadania e tolerância. Não convêm, em uma instituição em que a pluralidade é constante, profissionais que não sabem discernir admoestação de ofensa, preconceito e discriminação. Se a escola não for tolerante, quando haverá tolerância em nossa sociedade? 

Termino esta postagem mencionando o fato de que vizinhos pintaram de branco o muro pichado com os dizeres "assassino e covarde" da casa da família de Wellington Oliveira, o assassino das crianças da escola do Realengo. Os portões, que haviam sido arrombados, foram fechados com cartolina branca, e colocaram em frente à casa um cartaz pedindo paz. Muitas marcas deixadas pelo professor são indeléveis. Elas nunca sumirão totalmente, mesmo que diversas pessoas de boa vontade tentem apagá-las, como fizeram os vizinhos de Wellington.

2 comentários:

  1. Wallisson S. Saraiva21 de abril de 2011 às 14:50

    Realmente é um absurdo, que em pleno século XXI ainda exista tanto preconceito, e não é apenas responsabilidade das escolas formar pessoas educadas e que saibam discernir o certo do errado, mas também das famílias buscar resgatar valores que hoje estão esquecidos!

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  2. Concordo com o que foi dito acima.
    Como aluna, já vi muitas mostras de preconceito entre os alunos e entre professores e alunos.
    O profissional da educação, inserido em um contexto de pluralidade como foi exposto anteriormente e comprometido com a passagem de valores aos seus alunos, deveria ser um dos primeiros a estimular a tolerância e o respeito e não o contrário.

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