Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Um miniconto: Babel

Hoje, durante a aula de Literatura Comparada, discutimos intertextualidade e metaficção. Lemos alguns minicontos, o que me incentivou a experiementar esse tipo de texto.

Torre de Babel - Gravura de Sônia Menna Barreto






Babel

Na infância, seus olhos brilharam quando ganhou seu primeiro livro e viu que poderia elevar-se sobre ele. Muitos anos depois, quando a cor de seus cabelos se assemelhava à das nuvens que voavam bem abaixo de seus pés, ele percebeu, em cima de sua imensa coluna de livros, que falava todas as línguas.

domingo, 26 de setembro de 2010

A Literatura e a Bíblia



O leitor tem o direito de gostar ou não de uma obra. Há quem prefira a leitura de A paixão segundo G. H., há outros que se agradam de Senhora. O leitor merece fazer suas escolhas livremente e evitar a leitura por obrigação. Como professor de Literatura, esse direito, porém, sofre limitações. Sendo um profissional, eu não posso somente ler o que quero ou o que gosto, preciso conhecer as diferentes obras e tentar analisá-las da melhor forma possível para mim. Já que eu trabalho com a linguagem e a arte literária, é importante conhecer o maior número de textos fundadores de nossa cultura ocidental. É sobre duas dessas obras que desejo comentar hoje, visto que tenho percebido certa ojeriza a elas por parte de alguns colegas de profissão.

No domingo passado, o jornal Folha de São Paulo lançou uma coleção intitulada Livros que Mudaram o Mundo. Entre eles, temos a Bíblia e o Alcorão, a serem divulgados em janeiro próximo. Acredito que, por muitos os considerarem livros inspirados pelo divino e referências para as três principais religiões atuais, a leitura desses textos seja, muitas vezes, restrita a uma leitura puramente religiosa. Isso é um engano lamentável, pois tanto um como o outro são exemplares perfeitos de Literatura. Além disso, sua importância na conjuntura internacional atual não nos dispensa de seu conhecimento, se quisermos melhor entender nosso mundo. Assim, o profissional da Literatura não pode prescindir do conhecimento desses textos.

A Bíblia, na verdade, não é um livro, mais uma coletânea de textos de variados gêneros. Somente nos cinco primeiros livros, encontramos obras-mestras da narrativa universal, desde relatos patriarcais serenos ou dramáticos ou patéticos a epopeia e contos fantásticos, entremeados de vários poemas. A sua aparente simplicidade não deve nos enganar, pois ocultam, diversas vezes, refinados recursos de estilo e sempre o sentido de transcendência vivida. Existem também obras ditas de historiografia, como Josué e Juízes, cuja simplicidade dos elementos da narrativa não oculta o estilo, que se abebera de material sonoro - aliterações, jogos de palavras, paranomásia, etc. – e esquemas numéricos riquíssimos em valores simbólicos. O texto bíblico também é rico de obras poéticas de relevada qualidade literária, tais como os Salmos, o Cântico dos Cânticos (poema erótico dos mais belos), o livro de Provérbios, os três Isaías.

Harold Bloom, crítico literário estadunidense, em seu livro Onde Encontrar a Sabedoria, menciona, no elenco de obras literárias que ele considera imprescindíveis para o homem ocidental, o Livro de Jó e o Eclesiastes. Victor Hugo, ao falar do Gênio em seu William Shakespeare, escreve textos muito belos sobre Jó, Ezequiel, Isaías, São João, São Paulo, colocando-os no mesmo panteão literário que Ésquilo, Sófocles, Dante, Rabelais, Cervantes e... Shakespeare. O autor de Os Miseráveis chama-os de “gigantes imóveis do espírito humano”. E vai além, escreve que “cada qual representa toda a soma de absoluto que o homem pode realizar”. É claro que essas citações, fora do contexto, parecem exageradas. Sugiro, pois, a leitura, para que haja uma melhor apreciação do pensamento de Victor Hugo, de sua obra acima mencionada.

Há também, em alguns livros bíblicos, gêneros dentro de gêneros, como as parábolas de Cristo, que se encontram nos evangelhos. Menciono a Parábola do Filho Pródigo, verdadeira pérola da literatura semita. As cartas de São Paulo também apresentam, ao longo do texto, canções de destacada poesia. Quero dsetacar  aqui um livro de estrutura bem diferente entre os textos neotestamentários: o Apocalipse. Ele possui imagens sensoriais várias e intrincado jogo de símbolos. Vale a pena conhecê-lo.

Intento aqui mostrar que a Bíblia, a despeito de seu valor como livro sagrado, é exemplar de fina literatura, devendo, portanto, ser lido por todos, principalmente por profissionais da área. Quanto ao Alcorão, não me estenderei, visto que só recentemente comecei a leitura desse texto. Como não sei árabe, certamente perco muito dos recursos estilísticos que o constituem e que me são explicados – alguns − em notas de rodapé. Tendo sido escrito para a declamação, é estranho para mim, acostumado a narrativas modernas, apreciá-lo devidamente. Conta-se que um importante senhor oriental converteu-se ao Islã por ouvir a recitação de algumas suras, pois, segundo tal senhor, somente Deus poderia ter produzido tão grande beleza.

Espero que esses pequenos comentários aticem a vontade de conhecer esses textos e que a oportunidade de ler realmente essas obras não se perca. Caso queiram aprofundar o assunto discutido aqui, sugiro abaixo algumas fontes de leitura. 


 
Essa tradução da Bíblia proriza os aspectos estilísticos e literários do texto. Com uma grande quantidade de notas, essa tradução destina-se ao estudo.


Essa nova reedição do Alcorão tem  a tradução de Mansur Challita. O trabalho de versão do árabe para o português feita por Challita foi muito elogiado pelos críticos.

Em O código dos códigos: a Bíblia e a literatura, Northrop Frye, crítico canadense, faz uma análise de uma das obras mais importante da cultura ocidental, não com um olhar religioso, mas sim analisando-a como um texto literário.


Embora os autores bíblicos se contradigam, suas visões múltiplas convivem num mesmo livro. Para Karen Armstrong, este é um indício claro de que toda interpretação da Bíblia significa necessariamente abertura de espírito. Assim, ela fornece uma narrativa necessária para combater o pessimismo de nosso mundo tão cheio de conflitos. A Bíblia faz parte da coleção Livros que Mudaram o Mundo, reunindo biografias de títulos que modificaram sua época e, até hoje, influenciam nossa forma de pensar.


Quando Maomé orava em uma caverna, conta-se que ouviu uma voz que lhe passou uma série de revelações. Essas palavras transformaram profundamente a vida desse mercador analfabeto,e o modo como pensava sobre si mesmo, a sociedade e o mundo. Após a morte do Profeta, seu primo Ali trabalhou para transformar em livro as revelações oralmente transmitidas e recitadas. Todas as versões existentes foram sistematizadas em um texto sagrado, que permaneceu praticamente inalterado até hoje: o Corão. Historiador da religião, Bruce Lawrence descreve como a obra fascinou e guiou milhões de adeptos e mostra como o significado desse livro milenar é basicamente a paz.

domingo, 19 de setembro de 2010

Da queima de dois livros.




Na semana passada, fizemos alguns comentários sobre intolerância. Durante esta semana, soubemos de alguns casos que nos remetem a essa temática. Alex Stewart, um professor da Austrália, rasgou algumas páginas do Alcorão e da Bíblia e as fumou, para saber qual dos dois queimava melhor. Dias antes, Terry Jones, pastor americano, tinha desistido dos planos de pôr fogo no Alcorão. Tanto o professor quanto o líder religioso consideraram as queimas como formas de protesto legalmente amparadas pelo direito à liberdade de expressão.

Esse direito é uma grande conquista do homem. Aqui no Brasil, percebemos isso quando nos lembramos da ditadura pela qual o País passou. A ausência da liberdade de expressão propiciou a expatriação de grandes brasileiros, o desaparecimento de inúmeros cidadãos e a morte de vários outros. Tal liberdade é garantia de que a voz da denúncia não será abafada. Certamente, devemos proteger sempre esse direito, pois, se ele não existir, como revelar pontos de vista distintos e como defender a democracia e o Estado de direito? A liberdade de expressão, ao promover o debate livre e aberto, é capaz de evitar erros graves e promover a justiça. Qualquer ação que a tente restringir deve ser evitada e combatida.

Essa liberdade, no entanto, não pode degenerar-se em agressão pura e simples. Proteger a liberdade de expressão exige também que, ao mesmo tempo, se impeça o discurso que incita à violência. Nos dois casos supracitados – o do professor e o do pastor −, não se abriu caminho ao diálogo nem à discussão produtiva, o que se viu foram manifestações – muitas delas violentas – contra a queima dos livros. No Afeganistão, milhares protestaram contra os Estados Unidos e mostraram-se agressivos aos cristãos, havendo inclusive mortes. No Irã, o presidente Ahmadinejad utilizou a ideia de queimar o Alcorão para hostilizar os sionistas. Em todo o mundo, houve sérias críticas aos atos, no mínimo, irresponsáveis de Alex Stewart e Terry Jones. O Vaticano e a Liga Árabe criticaram o enfoque fanático e destruidor do pastor. Clérigos muçulmanos libaneses afirmaram que o ato do religioso americano incendiaria mais os ânimos dos islamitas fanáticos, motivando-os a ataques contra ocidentais. Vários chefes de Estado deploraram a destruição desses livros. Mesmo as relações entre Ocidente e Oriente sofreram avarias devido a esses imbróglios causados por indivíduos que usaram irresponsavelmente sua liberdade de expressão.

Contra o fanatismo e o erro, agressões e humilhações não resolvem o problema; pelo contrário, pioram-no. Na África do Sul, quiseram queimar exemplares da Bíblia como retaliação ao gesto do pastor Jones. Após mostrarem que o Alcorão prega a importância do respeito ao livro judaico e cristão, desistiram do intento. Esse pequeno – e talvez simples – exemplo ilustra bem a ineficácia de protestos ofensivos como os comentados neste texto. O diálogo pautado na razão e no bom-senso é capaz de obter significativos resultados. A argumentação bem fundada e a boa vontade também são apropriadas para lidar com questões desse tipo, apesar de, muitas vezes, ser difícil o completo êxito.

O professor da Austrália disse, explicando sua atitude, que ele queria fazer uma piada. Queimar algo de extrema importância para muitas pessoas não pode ser, em situação alguma, uma brincadeira sem importância, visto que tal ação mostra um desrespeito a um povo, à sua cultura, às suas esperanças e, muitas vezes, à sua identidade. Se o que se quer é criticar e combater o fanatismo – principalmente o militante e assassino −, não é através de ações como as de Jones e Stewart que se chegará a isso. Liberdade de expressão não é o mesmo que liberdade de agressão.



sábado, 11 de setembro de 2010

Intolerância

O fantasma das torres, de Jorge Cardoso


Recentemente, assisti a um filme chamado Intolerância (1916), do diretor D. W. Griffith. O filme é mudo, em preto-e-branco. Imaginei que ele seria entediante. Porém, enganei-me, pois sua temática mostrou-se, infelizmente, atual. De modo algum me cansei ao vê-lo. Em linhas gerais, o filme revela a intolerância em quatro momentos da História. Neste 11 de Setembro, data dos ataques ao World Trade Center, esse tema é pertinente.

Em duas narrativas, que versam sobre a queda do rei babilônico Baltazar e a Noite de São Bartolomeu, percebemos como indivíduos, com o objetivo de manter o poder político e social, são capazes de manipular preconceitos religiosos e provocar a morte de centenas - ou milhares - de pessoas, provocando guerras. As outras duas histórias do filme tratam não de conflitos entre povos, mas de situações mais bem individualizadas. Na Judeia, um grupo trama e condena um inocente, Jesus Cristo; nos Estados Unidos da América, pessoas que se acreditam melhores que as outras quase acabam com a vida de um jovem casal.

No Brasil, hoje, agora, essa intolerância, presente no meio das pessoas, cresce silenciosa, apodrece as relações e abre feridas. Ela, com riso que humilha e ódio que mata, rotula o diferente, como se a condiçao do outro fosse inferior e merecedora de condenação. A intolerância aniquila mulheres, negros, homossexuais, drogados, alcoólatras, presidiários, pobres, deficientes físicos e mentais, estrangeiros e tantos outros tidos como inferiores. Se não lhes tira literalmente a vida, compursca-lhes a dignidade por meio de mesquinharias: humilhações, risos, obstáculo a uma vida melhor. A crueldade humana manifesta-se tanto em grandes atentados, que dilaceram o corpo, como em pequenas ações de intolerância, que destroçam o íntimo do indivíduo.

Hoje, o 11 de Setembro nos lembra a intolerância. Que fizeram com parte do mundo muçulmano para haver tal atentado? Que explicação existe para a morte de tantos nas Torres Gêmeas? Por que usar o nome de Javé/Alá a fim de disseminar a destruição e a morte entre humanos? Por que tanto combustível para a intolerãncia? Certamente, não detenho conhecimento tão específico para responder a essas perguntas. Aqueles que possuem o poder político das Nações devem dar respostas a tais questionamentos para alcançar a tão mencionada e vilipendiada paz. A nós, cidadãos comuns, cabe crer na esperança, que, nesses casos, possui um nome muito específico: diplomacia. Não consigo imaginar a dor daqueles que, hoje, relembram seus mortos no 11 de Setembro e expõem o seu luto. Também não imagino o sofrimento daqueles que são vítimas de atitudes preconceituosas. A dor destes últimos, muitas vezes, é crônica.

O Cristo dos Evangelhos nos revela a tolerância; o Maomé do Alcorão também. Despir-se de todo preconceito, conhecer o outro e imaginar-se no lugar do outro são atitudes difíceis, mas necessárias para que haja uma sociedade em que a unidade, a justiça e a solidariedade sejam valores reais. Tolerância é o que vejo no meu Evangelho, na minha Torá e no meu Alcorão.



Hoje, comemoro o aniversário de um grande amigo: A. Mendes. Ele é uma das pessoas mais tolerantes que eu conheço.


Sobre o fundamentalismo nas três principais religioes atuais, aconselho a leitura do livro Em nome de Deus, de Karen Armstrong. O texto de Armstrong é esclarecedor.











terça-feira, 7 de setembro de 2010

Palavras, palavras, apenas palavras...



Durante certo tempo, pensei em iniciar este blog. No entanto, algumas questões surgiam:

Onde arranjar tempo para atualizá-lo?
Para que, talvez, mais um blog?
Sobre o que falar?

Alguns amigos incentivaram-me, disseram-me que um blog não é um jornal diário ou uma revista semanal e que o importante é escrever. A palavra é que importa.

Em relação ao porquê, eu mesmo encontrei justificativa. Acredito que todos têm o direito de fazer ouvir seu pensamento, sua voz, sua palavra. Na babel que a Internet talvez crie, o saber escutar por meio da leitura pode fazer com que reconheçamos as vozes que mais nos dizem respeito, mesmo que elas sejam ouvidas pela primeira vez. Sou agora mais um entre os milhões de blogueiros neste universo, mas também sou único, como você que me lê. Se minha palavra não tem a grandeza de muitos sóis dessas constelações, ela não deixa de ser uma estrela, se for percebida pela leitura atenciosa e pelo comentário do texto lido.

Words, words, words. Esse verso de Hamlet remete às palavras vazias. No entanto, elas - as palavras - têm vida quando nós sopramos sobre elas pela leitura a fim de que descubram seus sentidos a nós através dos sons e das imagens.

 Em relação ao que escrever, não é intento deste blog (pelo menos não agora) especializar-se em um determinado assunto, mas de expor visões, odores, tatos sobre o que nos dizem as palavras. É interesse meu também ler seu comentário. Espero poder ver sua palavra e fazer deste ambiente virtual um espaço de troca, de diálogo.

A palavra une, pois é de sua natureza ser sim-bólica, ela não pode ser dia-bólica, essa não é sua essência. Se ela divide, há um desvirtuamento.

Muitos cristãos celebraram ontem a Transfiguração do Senhor. Esse mythus (não sei se emprego bem esse vocábulo aqui, mas vá lá) é belo e expressa bem o poder da palavra: Cristo é a Palavra que se transfigura e revela o novo no já visto. Através do verbo, espero que possamos conhecer o comum e vê-lo, talvez, como novo.

Tomara que seja esta postagem um bom começo de nosso diálogo.


Sobre o poder da palavra sugiro os seguintes textos:


Neste romance, uma ditadura impede de a verdade ser conhecida, deturpando a palavra


Neste filme, uma professora consegue fazer com que jovens marginalizados transformem suas experiências em palavras, que, por sua vez, transformam suas vidas.