Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Da ficha limpa à ficha suja: lembranças de uma parábola.



Começo esta postagem com uma parábola. Talvez isso vá contra a concisão que um texto para um blog deve ter. Mas prolixidade é uma idiossincrasia vandemberguiana, segundo os pensadores F. Teixeira e A. Cruz. Assim, não fugirei dela. Eis a parábola, talvez você, caro internauta, já a tenha ouvido, com leves mudanças.

Certo homem encontrou um pedinte que, há duas décadas, era cego. Diante daqueles que os circundavam em plena praça pública, o desconhecido lhe restituiu a visão. Obviamente quase todos se admiraram – os céticos ficaram a pensar como teria sido o embuste. Isso, porém, é detalhe. Mais impressionante foi a atitude de alguns juízes que surgiram dizendo que, naquele dia, era proibido fazer tal cura. A lei era clara: não era lícito curar cegos naquela segunda-feira daquele ano. Isso só poderia ser feito no ano seguinte. Já que o rapaz não tinha visão há vinte anos, bem poderia esperar mais um para voltar a enxergar.

Essa parábola surgiu quando soube da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aplicabilidade da Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, nas eleições do ano passado. Muitos, muitíssimos, queriam que a Lei valesse para as eleições de 2010. Já outros, por motivos legais ou escusos, diziam que isso iria ferir a responsabilidade cívica e atentar contra o próprio estado democrático de direito, pois haveria a violação de dispositivos da Constituição.

Não sei Direito direito, mas sei contar e, se 7 meritíssimos juízes dizem que a Lei não pode ser aplicada ao pleito de 2010 e 6 outros meritíssimos juízes tão meritíssimos quanto os primeiros têm opinião diversa, obviamente a decisão foi acertada. Sete estão corretos, e seis estão errados. (Informaram-me há pouco que a votação não foi bem assim. Mas o ministro Fux não veio para desempatar o 5x5?)

Não sei direito Direito, mas percebi que – salvo grande engano meu – não é a lei feita para o cidadão, mas o cidadão para a lei. Percebi que a ética não está entronizada acima da lei, por isso a lei nem sempre promove a ética (quanta repetição desnecessária de palavras!): saem os fichas-limpas, entram os fichas-sujas.

De acordo com o ministro Fux, a Lei da Ficha Limpa é “um dos mais belos espetáculos democráticos com escopo de purificação do mundo político”. Para ele, o intuito da moralidade é louvável, mas não pode ultrapassar um critério técnico estabelecido pela Constituição. “A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro, uma aspiração legítima da sociedade brasileira. Mas não pode ser um desejo saciado no presente, em homenagem à Constituição brasileira”. Eu me pergunto quando será esse futuro, já que a ética não se sobrepõe à técnica.

O povo brasileiro não vota bem, pois não tem consciência cidadã suficientemente madura para isso. Para ajudá-lo a não cometer tantos erros, a Lei da Ficha Limpa parecia um pequeno milagre a dar visão a um cego. Será que o milagre – como dizem os céticos – revelou-se, pelo menos por enquanto, um engodo?



Sugiro a leitrua de: Fux vota contra Ficha Limpa em 2010

quinta-feira, 24 de março de 2011

Miniconto: A ESFINGE E ÉDIPO, ou a obra de arte e seu intérprete.



Um outro-mesmo Édipo, ao ir a Tebas de sete portas − ou seria sete vezes sete?  − encontrou uma outra-mesma Esfinge, que lhe impos um claro-enigma à la Drummond: um poema.
Decifra, ou te devoro.
O cego-visionário recitou novamente os versos. Não o decifrou, desvelou-o.
Os dois estão a devorar-se pelos séculos.

“O intérprete está diante do efeito verbal e estilizado de um processo que é sinuoso e, não raro, obscuro para o próprio criador.”
Alfredo Bosi

Postagem dedicada a A. Bosi, pelo seu ensaio  “A  interpretação da obra literária”.

domingo, 20 de março de 2011

A Casa, de Natércia Campos.



A primeira vez que li A Casa, de Natércia Campos, estava construindo, coincidentemente, a minha residência. Isso foi há cinco anos. Encantei-me pela prosa da narradora e relembrei minha infância de garoto que viveu em uma localidade rural. Reli, no início de 2010, esse romance de Natércia. Tal leitura produziu um artigo que sai publicado pela Revista Inventário, da UFBA. Abaixo, tem-se o link do artigo.



terça-feira, 15 de março de 2011

14 de março


Marta Banza
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Comumente, mensuramos nossa vida a partir daquilo que fazemos. Se viajamos, se conseguimos titulações acadêmicas, se temos o emprego que almejamos, se compramos aquilo que queremos, se possuímos a casa que planejamos, etc., tudo isso é considerado referência para afirmarmos que realmente vivemos. Esse é o senso comum.

Hoje, no entanto, refleti como as mais importantes vivências de nossa vida, aquelas que fazem com que as conquistas acima aconteçam, são nossas relações com as pessoas. Mas não com quaisquer pessoas, somente com aquelas capazes de influenciar a rota de nossa existência para a melhor estrada. Elas são as grandes referências de nossa vida. Certamente, há quem nos atravanca o caminho. Mas não precisam ser tão importantes. Para elas, recito o verso do passarinho do Quintana e sigo em frente.

Quero falar das pessoas que valem a pena, porém muitas talvez já se tenham eclipsado na noite da minha memória. Nossas limitações, às vezes, não nos permitem ser justos na medida certa. Não quero “ladainhar”, e sim reconhecer.

Tríade Israelita-Tereza-Maria, mãe-mãe-mãe.
Paulo Sérgio, pai;
Cazuza-Cazuza, avô-avô.
E irmãos e irmãs, destacadamente o Wendell. E tios e tias.
Amigos: Alexandre Mendes, amigo-mais que isso;
Socorro e Wagner, uma só carne e um só coração;
Juarez, vocatione sancta (péssimo, meu latim),
Tony e Hil, companheiros de estrada;
Venicio – as flores de plástico não morrem;
Fabíola, professora e primeira empregadora, sobretudo amiga;
Dona De Jesus, a quem devo parte de minha graduação e de meu conhecimento de inglês;
Luciana e Lourenço, dois livros em uma só encadernação.
Tantos professores e professoras.
Francisca Barros, a quem abriu com entusiasmo uma das portas que levaram ao meu mestrado.
O Bardo do Avon e o Bruxo do Cosme Velho, sem eles meu mestrado não seria o mesmo.
O Galileu.
Omnis amici, ora pro me.

A existência de cada um deles é uma vereda no labirinto de minha história. E o fio de Ariadne nem sempre consegue mostrar todos os enlaces desse viver. Esta postagem é um pequeno desenrolar desse novelo, e uma das pontas do fio me leva a alguém que, nos últimos anos, fez de mim uma pessoa feliz e melhor, mais confiante e mais amigo da vida. Hoje é aniversário dela, por isso este texto. Dias felizes são aqueles do nascimento de quem é realmente importante para nós. O 14 de março é uma das datas mais alegres da minha vida.

Feliz aniversário, Elizangela.



14 de março, Dia da Poesia