Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

terça-feira, 26 de abril de 2011

26 de abril: batismo de Shakespeare.

Detalhe do documento de batismo de William Shakespeare. Na imagem abaixo, outro detalhe do mesmo documento, em que se lê, em latim, a frase: William (Guilherme), filho de Jonh Shakespeare.




Como havia dito em minha última postagem, hoje, Batismo de Shakespeare, tentarei expor uma pequena lista de obras da crítica shakespeariana. Há um labirinto de títulos em que o leitor curioso pode, agradavelmente, se perder. Aqui elenco alguns textos interessantes em português e relativamente fáceis de encontrar.

De Bárbara Heliodora, a maior autoridade em Shakespeare do Brasil, volto a indicar o Falando de Shakespeare e o Por que ler Shakespeare. Apesar de introdutórios, não pecam por superficiais. O homem político em Shakespeare, outro trabalho dessa grande crítica teatral, disserta sobre a questão de o viés político ser uma constante em todas as peças do Bardo. Aqui, é necessário um conhecimento maior do teatro do autor inglês, principalmente dos dramas históricos. A escrita de Heliodora não é cansativa e suas colocações são extremamente pertinentes. Sugiro também, como introdução, a revista EntreLivros EntreClássicos William Shakespeare. Os artigos trazem informações seguras e críticas pertinentes.

Para a biografia do poeta inglês, sugiro Shakespeare, de Claude Mourthé. É um livrinho de bolso que possui uma explanação da vida e da obra de Shakespeare de forma concisa sem abandonar a criticidade. Outros títulos mais volumosos são Shakespeare: vidas ilustradas, de Anthony Holden, e Shakespeare: uma vida, de Park Honan.

Para quem já conhece as obras shakespearianas e quer um maior aprofundamento, não há como não ler o crítico norte-americano Harold Bloom. Em seu Shakespeare: a invenção do humano, há a análise de cada uma das peças do dramaturgo inglês, com o objetivo de defender uma tese polêmica: Shakespeare é o criador do homem moderno. Além desse título, aconselho a leitura de Hamlet: poema ilimitado e de O cânone ocidental. Ambos de Bloom. Sobre a escrita shakespeariana, convém conhecer A linguagem de Shakespeare, de Frank Kermode.

Outros nomes que não posso deixar de mencionar são Northrop Frye, com o seu Sobre Shakespeare (esgotado, mas facilmente encontrado em sebos virtuais). Nesse livro, Frye afirma que, se não houvesse Hamlet, talvez nem tivéssemos tido o movimento romântico ou as obras de Dostoiévski, Nietzsche e Kierkegaard, que a seguem e reelaboram a situação hamletiana em rumos que vão progressivamente se aproximando de nós. Shakespeare: nosso contemporâneo, de Ian Kott, é um volume que não pode estar ausente deste estante. Por fim, A tragédia shakespeariana, de A. C. Bradley. Todos esses títulos constituem um bom número de obras, com tradução em português, que contemplam a análise das peças de Shakespeare.

Por fim, quero dizer que bem mais importante que conhecer esses textos críticos são a leitura e a releitura das peças de William Shakespeare, quer no original, quer nas versões para o português. Boa leitura.

sábado, 23 de abril de 2011

Salve, Jorge! Salve, Shakespeare!



Hoje a Inglaterra comemora São Jorge, seu padroeiro, e William Shakespeare, seu maior escritor. Ao fazer esta postagem, interrompo a escrita de minha dissertação para fazer menção a esse autor cuja leitura tanta satisfação me traz. O assunto de minha pesquisa também não poderia calhar melhor, as relações entre Shakespeare e Machado de Assis, outro grande leitor do Bardo.

Não intento discorrer sobre a genialidade do poeta de Stratford ou a qualidade de suas peças. Para isso, há grandes críticos, cujas algumas referências cito no final desta postagem. O objetivo é de fazer um reconhecimento ao dramaturgo inglês, que tem sido um bom amigo há certo tempo. Li Shakespeare pela primeira vez aos 14 anos. Assisti ao filme Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli, na década de 80, em um Supercine, da TV Globo, creio eu. Curioso, comprei alguns livros: Romeu e Julieta, A tempestade e Rei Lear (desta última entendi pouca coisa na época). Eram traduções de Carlos Alberto Nunes para o português. Depois de certo tempo, abandonei esses livros.

Com mais maturidade, retomei minhas leituras shakespearianas, e elas me trouxeram muita aprendizagem. Aos poucos, o número de volumes sobre a obra e a vida do dramaturgo inglês foi crescendo. Shakespeare fez com que eu lesse Goethe, Victor Hugo, Voltaire e Machado de Assis. Fez com que me interessasse por política, história, filosofia, arte. Fez com que eu lesse o mundo e as pessoas de maneira diferente, quiçá mais próxima do que realmente são. Totus mundus agit histrionem. Passei a entender melhor, por causa dele, a literatura e o valor da leitura. Devido a ele, sou mais atento à arte do cinema. Para lê-lo mais detidamente, tento compreender cada vez mais o inglês (seria mais fácil se ele fosse francófono, diminuiria muito meus problemas).

Neste tempo de Semana Santa, lembro uma frase de Machado de Assis ao afirmar que, na ceia da arte, Shakespeare nos dá de comer sua carne e de beber seu sangue. O livro de Shakespeare é um evangelho. Suas personagens revelam-nos e constroem-nos. Sua figura tornou-se deus de uma religião secular, e quem o conhece aquieta-se e, como se desfilasse contas de rosário, murmura, conforme fez Jorge Luis Borges em famosa conferência, o santo nome: Shakespeare. Pode-se viver muito bem sem conhecer o dramaturgo inglês, mas a vida torna-se mais rica se o lermos. A arte é uma das poucas justificativas existentes para a vida.

Apesar de hoje ser um leitor bem mais proficiente do teatro shakespeariano, ainda sinto o prazer que essa leitura me proporcionava quando mais jovem. Muitas vezes perdemos esse gosto quando estudamos demais uma obra. Atualmente, Shakespeare continua sendo um bom amigo para mim. Seu aniversário – data convencional, pois não se sabe em que dia ele nasceu, visto que o primeiro documento oficial existente hoje é sua certidão de batismo – é um dia assinalado. Para marcá-lo aqui, cito Machado, mais que leitor de Shakespeare:

Tudo são aniversários. Que é hoje senão o dia aniversário natalício de Shakespeare? Respiremos, amigos; a poesia é um ar eternamente respirável. Miremos este grande homem. [...] E acabemos aqui; acabemos com ele mesmo, que acabaremos bem. All is well trat ends well.




                 
Deus, qui nos beati Georgii Martyris tui meritis et intercessione lætificas : concede propitius ; ut, quia tua per eum beneficia poscimus, dono tuæ gratiæ consequamur. Per Dominun nostrum.


Sugiro, para os iniciantes, as obras de Shakespeare editadas em português pela L&PM Pocket. As traduções são de qualidade. Os textos Falando de Shakespeare e Por que ler Shakespeare?, ambos de Bárbara Heliodora, são esclarecedores para quem começa a entrar no mundo shakespeariano. 
Para o leitor proficiente em inglês, sugiro as edições Arden. O volumoso Shakespeare: a invençao do humano, de Harold Bloom, é um importante estudo para quem já conhece o Bardo do Avon.
Na próxima terça-feira, dia do batismo de Shakespeare, elencarei uma bibliografia mais extensa.




segunda-feira, 18 de abril de 2011

A tragédia do Realengo e as pequenas tragédias na sala de aula.



Hoje, a escola Tasso da Silveira abriu novamente suas portas para receber os alunos e reiniciar suas atividades. Depois do massacre ocorrido em suas dependências, que resultou na morte de 12 estudantes no último dia 7, reacendeu-se a discussão sobre o bullying. Costuma-se ligar o bullying somente a agressões entre alunos, mas há um agente importante para a propagação dessa violência: o professor.

Conheço os inúmeros problemas que envolvem o exercício da profissão, pois já trabalhei em escola particular e pública. Mesmo que muitos pedagogos e especialistas em educação afirmem que a responsabilidade maior do ensino e da aprendizagem cabe ao profissional do magistério, não se podem negar as interferências de inúmeros obstáculos ao professor na sala de aula: criminalidade, escassez de material, ausência de comprometimento dos pais e de outros profissionais da própria escola. No entanto, acredito que, apesar das dificuldades, não nos cabe promover a discrininação dos alunos. 

Não aludo a certos momentos de descontrole entre professores e alunos, cujos motivos talvez expliquem muitos conflitos em sala de aula, ainda que nem sempre os justifiquem. Refiro-me a ideias proferidas por professores – que são formadores de opinião – que atentam contra a dignidade de muitos estudantes. Em minha postagem anterior, mencionei o resultado de uma pesquisa que aferiu o preconceito na sala de aula. Constatou-se que grande parte dos professores manifesta-se de forma discriminatória contra certos grupos de alunos, principalmente os deficientes físicos e mentais, os negros, os homoafetivos e os pobres. Essa situação é seriíssima. Se o professor endossa uma visão preconceituosa, os alunos sentem-se confiantes para continuar a cometer bullying contra outros estudantes, o que nem sempre resulta em agressões físicas, mas sempre acaba com feridas na autoestima, na melhor das hipóteses.

Já soube de professores que se negaram a receber em suas salas de aula alunos com deficiência física e reagiram mal à presença de cegos na classe. Tive conhecimento de um professor de biologia que sugeriu, para acabar com a AIDS, juntar todos os aidéticos e matá-los. Na sala dele havia uma aluna que nasceu com o vírus HIV. A juíza baiana Luislinda Valois, 66 anos, conta que, criança, estava alegre com o compasso de madeira que seu pai havia comprado com certa dificuldade. Quando o professor viu que o material não era de plástico, disse: “Você não devia estar estudando, e sim cozinhando feijoada para branca!”. Ainda hoje, 58 anos depois, a juíza ainda se emociona ao lembrar a cena. Esses casos são apenas alguns exemplos de vários, basta uma pequena pesquisa em sites sérios da Internet para verificar a gravidade do problema. Essas situações podem estar acontecendo em nossas salas de aula, ou poderão ocorrer em outras, com nossos filhos, sobrinhos ou outras pessoas a quem amamos.

A escola não pode se esquivar de seu papel de promotora de valores humanos, cidadania e tolerância. Não convêm, em uma instituição em que a pluralidade é constante, profissionais que não sabem discernir admoestação de ofensa, preconceito e discriminação. Se a escola não for tolerante, quando haverá tolerância em nossa sociedade? 

Termino esta postagem mencionando o fato de que vizinhos pintaram de branco o muro pichado com os dizeres "assassino e covarde" da casa da família de Wellington Oliveira, o assassino das crianças da escola do Realengo. Os portões, que haviam sido arrombados, foram fechados com cartolina branca, e colocaram em frente à casa um cartaz pedindo paz. Muitas marcas deixadas pelo professor são indeléveis. Elas nunca sumirão totalmente, mesmo que diversas pessoas de boa vontade tentem apagá-las, como fizeram os vizinhos de Wellington.

sábado, 9 de abril de 2011

De holocaustos lembrados e esquecidos.



Quando se fala em holocausto, normalmente lembramos o Holocausto judeu perpetrado pelos nazistas. Vários filmes, livros e documentários não permitem que nos esqueçamos das atrocidades cometidas contra os hebreus. Alguns sobreviventes ou descendentes deles também estão empenhados para não permitir que o massacre fique olvidado. Mas a história se repete, senão com judeus, com outros grupos étnicos. Basta lembrar Ruanda, Kosovo e Camboja.

Holocausto, com maiúscula, passou a significar o genocídio judaico. No entanto, houve, na II Guerra, perseguições a outros grupos, dentre eles deficientes físicos e mentais, negros e gays. Hoje, a perseguição a esses grupos não é muito lembrada. São raros os filmes, livros e documentários sobre isso. Alguém que me lê conhece algum? Imagino que não.

A II Grande Guerra acabou; o (neo)nazismo, não ainda. As ideias discriminatórias endossadas pelos nazistas, essas são bem mais antigas que esse monstruoso movimente e bem mais longevas. A Voz dessas ideias que roubam, matam e destroem não quer calar. Seus ecos se fazem escutar em muitos lugares, inclusive naqueles que deveriam prezar pela solidariedade entre as pessoas e respeito às diferenças.

Um desses lugares é a escola. Segundo uma pesquisa de 2009 feita pela Faculdade de Economia e Administração da USP, o preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais e mães, professores, diretores e outros funcionários das escolas brasileiras. O grupo mais discriminado é o de deficientes, principalmente os mentais. Negros e homossexuais se seguem na lista da discriminação. A Voz que ecoava nos ouvidos nazistas repercute em nossas escolas, as quais, por sua vez, são espelho da sociedade brasileira. 

Outros lugares são as igrejas. Recentemente, o twitter do deputado e pastor Marco Feliciano expunha a seguinte mensagem: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss”. Desqualificar toda uma população continental usando como argumento um mito como se fosse fato é imoral. É desconsiderar toda uma história de exploração de povos por interesses econômicos e políticos. O comentário foi de uma pessoa apenas, mas reflete o pensamento de muitos fiéis de várias congregações que apóiam o desrespeito ao outro a partir de teologias que ferem a dignidade alheia.

Outro lugar são as câmaras legislativas. Recentemente, houve a polêmica envolvendo o parlamentar Jair Bolsonaro ao responder a uma pergunta do programa humorístico “CQC” exibido no último dia 28. A cantora Preta Gil perguntou ao deputado o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. A resposta, considerada racista, foi a seguinte: “ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu". O deputado afirmou que se confundiu com a pergunta feita e não se referiu aos negros em sua resposta. Desde então, Bolsonaro faz criticas a homossexuais e elogios a ditadura militar em algumas entrevistas.

Uma manifestação em São Paulo de apoio a esse parlamentar foi convocada na Internet. O protesto, batizado de “ato cívico”, divulgou-se em rede sociais, como o Orkut, e no fórum “Stormfront.org”, administrado pelo movimento neonazista “White Pride World Wide”, segundo informa o site de notícias UOL. A convocatória, publicada por um membro denominado “Erick White”, é finalizada com os números “14/88”, simbologia nazista que faz referência a Adolfo Hitler e ao nacionalista norte-americano David Lane, defensor do mito (entenda-se mentira) da supremacia branca. É a opinião de um deputado apenas, dirão alguns. Ela representa, porém, a visão de vários eleitores que o escolheram por essas ideias. De acordo com policiais que estiveram no local da manifestação, oito pessoas foram identificadas por envolverem-se em atividades sob investigação, como participação violenta em protestos racistas e homofóbicos, inclusive com artefatos explosivos.

Um colega me disse que as pessoas que concordam com essa Voz não são muitas. Mesmo que seja assim, não deixa de ser alarmante, pois há ideias envolvidas que produzem destruição e morte. Além disso, muitos que reafirmam esse ideário são formadores de opinião: políticos, líderes religiosos, jornalistas, professores. A Voz insiste em não calar. Ela não grita sua mensagem, somente murmura seu veneno aos ouvidos. Ela vem para roubar, matar e destruir. Em nosso país, ela não pode ter vez. Deve ser abafada, para que a VOZque realmente importa seja ouvida, aquela que diz que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.