Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

1871 – SHAKESPEARE NO RIO DE JANEIRO: EDIÇÕES, APRESENTAÇÕES TEATRAIS, CRÍTICAS.


Abaixo o resumo de um artigo publicado nos anais do IX Encontro Nacional Interdisciplinar de Estudos Literários.



Visto que, a partir da vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil (1808), a Inglaterra exerceu importância sobre as mudanças políticas e econômicas do País, torna-se impossível discordar da influência do sistema literário inglês na literatura brasileira. Considerando que os sistemas econômico e político influenciam o sistema literário, promovendo ou desconsiderando os produtos artísticos, os escritores ingleses passaram a ser lidos e divulgados na sociedade brasileira. Este trabalho intenta perceber a presença de William Shakespeare (1564-1616) na capital do Império brasileiro e esboçar aspectos historiográficos e literários consideráveis em um período de grande influência da literatura inglesa em território nacional. Nosso estudo confirma que a obra do dramaturgo fazia parte do acervo das principais bibliotecas da época. O autor inglês já era lido no Brasil – no original e em traduções – antes de o teatro nacional alcançar autonomia. O poeta inglês exerceu papel importante em nosso teatro e em nossa literatura, haja vista a contribuição, para que isso acontecesse, do ator João Caetano (1808-1863) e de vários escritores. No que tange à dramaturgia shakespeariana no Brasil, o ano de 1871 é fundamental, devido à vinda de dois grandes intérpretes italianos do dramaturgo inglês: Ernesto Rossi (1827-1896) e Tommaso Salvini (1829-1916). Ambos foram reconhecidamente aplaudidos na Europa, alcançando sucesso na representação de personagens shakespearianas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Concluímos que essas apresentações provocaram críticas em jornais, que revelaram as impressões dos cariocas – pelo menos dos que liam e frequentavam teatro – sobre William Shakespeare.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

26 de abril: coincidências.



Sei que há tempos não atualizo o blogue. Apesar de isso parecer desrespeito aos leitores, deixei claro, desde o início, que as postagens poderiam ser muito intermitentes. Gostaria de ter escrito sobre muitas situações, como o caso da jovem paquistanesa Malala Yousafzai, que sobreviveu a um atentado do Talibã por defender a educação feminina, e o descaso do PT com a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Mas não tive tempo.



Retomo minha escrita para discorrer sobre coincidências. Muitas delas tornam-se especiais e plenas de simbolismo, pois as ligamos a nossa individualidade. As datas e alguns fatos, para quem estima as coincidências, vêm a ser signos de múltiplas interpretações. Por causa de minha admiração por Shakespeare, tentarei elencar algumas coincidências que me são caras. 


 
 
Quando criança, ao ser alfabetizado, minha professora mandava-me grafar meu nome com W e S. Somente depois de alguns anos, a secretária da escola mostrou-me que meu nome começava com um simples V, e não com o diferente “Vê dáblio”. Coincidentemente, durante certo tempo, minhas iniciais foram as mesmas de William Shakespeare! 

Eliza Triumphans, quadro atribuído a Robert Peake.
 

O teatro de Shakespeare cresceu em um ambiente propício devido à política e à economia orquestradas pela Rainha Elizabeth I, para quem Will chegou a apresentar seus trabalhos. Sem o reinado dessa Tudor amante do teatro – ela mesma uma atriz do jogo político – , a história teatral inglesa e shakespeariana seriam bem diferentes. Minha história pessoal seria também díspar se não existisse na minha vida uma Eliza Triumphans, minha esposa, Elisângela, cujo radical etmológico é o mesmo da soberana Bess. 

Shakespeare em família.


Vejamos as datas. Os gêmeos de Shakespeare, Hamnet e Judith, nasceram em 2 de fevereiro de 1583. Meu irmão mais novo e mais parecido fisicamente comigo nasceu também em 2 de fevereiro.





Shakespeare nasceu em 23 de abril, dia também de São Jorge, padroeiro da Inglaterra, inimiga feroz da católica Espanha à época. Visto não haver o registro de nascimento do Bardo, convencionou-se celebrar no dia do santo. Dia 23 de abril é o Dia Internacional do Livro, não só pelo inglês Shakespeare, mas pelo espanhol Miguel de Cervantes, cuja morte foi registrada em 23 de abril, dia também da morte de Shakespeare! Coincidência! Não, pois, em 1577, o papa Gregório XIII propôs pular dez dias no calendário juliano, que avançara dez dias no ciclo celestial.  Em 1585, a Europa católica obedeceu a sua recomendação e combinou-se que o dia seguinte a 4 de outubro seria 15 de outubro. Os países protestantes, como a Inglaterra, opuseram-se à mudança. Assim, Shakespeare e Cervantes não morreram no mesmo dia, ainda que fossem as datas 23 de abril.
  
Miguel de Cervantes

Shakespeare foi batizado - e a certidão de Batismo é o primeiro documento autêntico do poeta – em 26 de abril de 1564. Eu nasci em 26 de março, mas minha certidão de nascimento traz a data de 26 de abril como a de meu nascimento. Coincidência e erro do cartório. Ano passado, cheguei a comemorar essa data com os amigos. 

Detalhe da certidão de nascimento de William Shakespeare


Shakespeare teve gêmeos. Eu também tive gêmeos. Eles nasceram, os meus garotos, em 14 de dezembro, dia de outro poeta, o espanhol João da Cruz, amigo da grande santa da Espanha Teresa d’Ávila, que morreu às 9 horas da noite de 4 de outubro de 1582. Exatamente no dia seguinte, efetuou-se a mudança para o calendário gregoriano, que suprimiu dez dias, de modo que a festa da santa foi fixada, mais tarde, para o dia 15 de outubro, dia do professor. Eu sou professor. 


Teresa d'Ávila e João da Cruz



Segundo os exames de ultrassom – assim falou o médico – os meus filhos foram concebidos, provavelmente, no dia 26 de abril.
 

Machado de Assis escreveu o seguinte sobre o poeta inglês: "Um dia, quando já não houver império britânico, nem república norte-americana, haverá Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare. Que valerão então todas as atuais discórdias? O mesmo que as dos gregos, que deixaram Homero e os trágicos.”


Diante dos dois bebês em seus berços, o que é, para mim, Shakespeare? Diante do barulho de suas gargalhadas infantis, o que é, para mim, o verso shakespeariano? Diante do olhar deles, o que é, para mim, os olhos de Shakespeare sobre a alma humana? Qual o sentido agora, para mim, do 26 de abril, dia imperscrutável, em que minha vida começou a mudar sem que eu soubesse? Shakespeare escreveu que “[...] tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se, [...] sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono.” Talvez algo que demore mais a desaparecer seja a obra shakespeariana. Mas agora, para mim, ela não vale sequer os dentinhos que já apontam na boca de cada um dos meus filhos, que dormem e sonham.


 

 
Esta postagem deveria ter sido publicada no dia 26 passado. Shakespeare merecia isso, mas os meninos não deixaram, eles me demandaram todo o tempo.






P.S. É claro que eu espero que eles leiam Shakespeare e gostem dele!