Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Da mente dos macacos ao corpo dos humanos.

Já faz tanto tempo que não atualizo este blog que quase me esqueço dele. Dizem que é um desrespeito a quem nos segue não postar constantemente. Quem leu minhas postagens anteriores, porém, sabe que estou escrevendo uma dissertação de mestrado, por isso o tempo é muito, muito escasso. Devido à dor de cabeça que esse curso dá, resolvi parar de escrever e ir ao cinema para assistir ao filme Planeta dos macacos, a origem. O que vi me fez escrever este texto.

O filme conta a história de Will Rodman (James Franco), um cientista que, por razões não só profissionais – o pai possui Alzheimer – lidera uma equipe de uma grande empresa farmacêutica que busca da cura da doença por meio de experimentos realizados em macacos. Apesar dos bons resultados, empecilhos levam o laboratório a encerrar as pesquisas. Rodman adota um chipanzé, cuja inteligência evolui espantosamente. O animal é batizado de César, em homenagem à personagem de Shakespeare (sempre ele!).

Mesmo com algumas inverossimilhanças exageradas até em um filme de ficção científica, o longa levantou uma questão importante: o sentido do que é ser humano. César, gradativamente, apesar de seu corpo de macaco, desenvolve habilidades, sentimentos e posicionamentos críticos humanos. Por ser dotado de uma razão indistinta da dos homens, a personagem angaria nossa simpatia, ao ponto de nos identificarmos com os outros espécimes que passam também a raciocinar – e torcermos por eles. Em contrapartida, o pai de Rodman, progressivamente, perde a razão e, de humano, parece apresentar apenas um corpo doente. O que nos faz humanos: a razão ou o corpo? Matar os macacos tem o mesmo peso moral de matar um humano, ou o fato de possuírem consciência os torna semelhantes a nós? Se a razão é o que nos torna homens e mulheres, o pai do cientista perdeu sua humanidade por estar destituído de sua razão devido a um processo degenerativo?



Isso me levou a pensar na exposição sobre o corpo humano que ocorre aqui em Fortaleza. Nela, podem-se ver cadáveres e órgãos plastificados. Os corpos são posicionados de modo a sugerir movimento. Mesmo os rostos possuem expressões. A única coisa não natural são os olhos, substituídos por esferas de vidro, além da pintura, já que corpos esvaziados de fluidos (primeira etapa do processo de preservação) ficam cinza.

Ao ver aqueles corpos, imaginei se não os tratamos como objetos. Calma! Não estou falando da “sacralidade do corpo” ou outras questões religiosas, mas sim do que faz com eles sejam humanos ou objetos. Considerá-los máquinas ou brinquedos de exposição não me parece muito agradável. Quem foram? O que fizeram? Quais os seus sonhos? Penso ser quase impossível olhar para eles e não se indagar sobre isso. Por ser um corpo morto, cortado, pintado ou plastificado, torna-se um simples objeto?

Outra questão que se impõe é a origem dessas... pessoas? Os cadáveres utilizados vêm da China, onde existe a indústria de plastinação. Já se cogitou que, em outra exposição semelhante, os corpos eram de prisioneiros executados pela ditadura chinesa. Os organizadores da exposição que está em fortaleza garantem que os corpos que usam não foram vítimas de crueldade.

Aqui faço um exercício de imaginação, semelhante ao de Hamlet[1] ao conjecturar sobre Alexandre, o Grande. Imagino que um daqueles corpos pertenceu a um jovem chinês que, há mais de duas décadas, enfrentou tanques na Praça da Paz Celestial. Se tivéssemos esta certeza, acharíamos que aquele corpo que observamos é apenas mais um espécime?




[1] HAMLET
To what base uses we may return, Horatio! Why may
not imagination trace the noble dust of Alexander,
till he find it stopping a bung-hole?

HORATIO
'Twere to consider too curiously, to consider so.

HAMLET
No, faith, not a jot; but to follow him thither with
modesty enough, and likelihood to lead it: as
thus: Alexander died, Alexander was buried,
Alexander returneth into dust; the dust is earth; of
earth we make loam; and why of that loam, whereto he
was converted, might they not stop a beer-barrel?
Imperious Caesar, dead and turn'd to clay,
Might stop a hole to keep the wind away:
O, that that earth, which kept the world in awe,
Should patch a wall to expel the winter flaw!