Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Quando se pensa em literatura... se pensa em Internet.

Quando se pensa em literatura, é senso comum pensar em livros. Claro, há séculos o livro é o principal veículo de divulgação da arte literária. É relação tão íntima que, ao se falar em livros, pensa-se em literatura. Se alguém nos faz a pergunta “Qual livro você está lendo?”, dificilmente alguém responderá “Estou lendo o Biologia 1, do Amabis”, mas dirá, por exemplo, às vezes com um certo pedantismo, “O segundo volume de À La recherche..., de Proust. O livro, porém, é apenas um veículo. O papel, a capa, a lombada, enfim, o objeto – com ou sem o charmoso aspecto de antigo, ou o nem sempre agradável cheiro de mofo – não é mais imprescindível para a divulgação do texto literário.

A internet trouxe a possibilidade da multiplicação dos pães no que se refere à produção literária. Há vários sites de divulgação de contos e poesias, por exemplo. Além de blogs de talentosos escrevinhadores. E muitos autores produzem exclusivamente para este novo veículo da literatura: a Web. Existe quem tenha a Internet como um entreposto importante entre a antiga gaveta de inéditos e a consagração proporcionada pelo livro. Segundo o Estadão, no artigo Internet renova a literatura do século 21”, Daniel Galera é um dos principais nomes dessa nova geração de literatos. Ele surgiu em 1998, em Porto Alegre, no fanzine via e-mail CardosOnline e fundou, já em 2001, o selo independente Livros do Mal (junto com outro escritor, Daniel “Mojo” Pellizzari). Hoje, Galera publica pela editora Companhia das Letras, teve seu segundo livro adaptado para o cinema pelo diretor Beto Brant (Cão Sem Dono, em cartaz). 

Se tantos, todavia, buscam ainda a consagração de sua arte “on-line” através do papel, pois a simbologia do objeto livro ainda é marcante (sem esquecer outro símbolo de papel: o dinheiro), é fecunda para a literatura a produção artística via Internet. Se não se pode viver somente de literatura e o autor vive em um na-lugar – lembro aqui a paratopia do escritor –, a rede mundial de computadores destrói as barreiras e alarga imensamente as possibilidades de leitura, conhecimento e fruição de textos. Se não há (ainda) tanto ganho material para o autor com a literatura na Internet, há ganho imensurável para os leitores, que se esbaldarão em textos artísticos, não raro, cheios de qualidade.

Como exemplo, cito um conto que li recentemente chamado Revolution (ou como o MST não destrói apenas pés de laranjas), de Filipe Teixeira, escritor que publica no site Recanto das Letras. Esse texto, no entanto, me foi mostrado em um fanzine, que, apesar de utilizar o papel como veículo, não tem o status de livro. (Será a internet um grande fanzine?) O conto tem sensibilidade, e os recursos estilísticos, mesmo sendo deveras utilizados por tantos, possuem algo de singular. Se conseguir autorização do autor, talvez eu o publique neste meu blog e teça outras considerações.
Muitos ainda consideram a publicação de um livro a certidão de batismo de um escritor, mas quem disse que só se vive depois de ser batizado? O escritor já existe. Aliás, para que pensar mesmo em escritor se o que vale mais é o texto e ele está ali, bem próximo? No papel de uma grande editora ou na tela anônima de inúmeros leitores, há Literatura.


sábado, 22 de janeiro de 2011

A indústria das multas de trânsito: como acabar com ela?



O jornal Diário do Nordeste de segunda-feira, dia 17, trouxe, em seu caderno Negócios, informações sobre a arrecadação de multas de trânsito, que superou, só no Estado do Ceará, em 2010, R$ 155 mil por dia. Segundo a acessoria de imprensa do DETRAN, os recursos arrecadados são investidos em fiscalização, engenharia e educação de trânsito.

Alguns comentários que escutei chamavam isso de absurdo, consideravam esse número prova de uma indústria de multas e diziam que o dinheiro obtido não era aplicado em infraestrutura das estradas. Se é verdade que as autopistas e outras vias de fluxo de veículos não são mantidas a contento, o que produz congestionamentos, acidentes e mortes, também é real o fato de esses problemas também serem causados pelos motoristas.

Certamente a educação e o respeito ao outro no transito evitarão muitos problemas cuja solução considera-se de responsabilidade do poder público. Não estou dizendo que não devamos reivindicar o correto serviço por parte das instituições competentes, mas diversos obstáculos ao bom convívio no trânsito dependem dos condutores e pedestres.

A maior parte das notificações aplicadas no ano passado foram de infrações graves, com 26.744 registros, cujo maior percentual foi por desuso do cinto de segurança e alta velocidade. Tais multas podem facilmente ser evitadas com uso do cinto e obediência aos limites de velocidade. Sejamos honestos e menos cínicos. Ainda que haja, em vários casos, abuso por parte de fiscais de trânsito e, muitas vezes, lentidão na avaliação de recursos na Junta Administrativa de Recurso de Infração (JARI), na maior porcentagem das ocorrências a multa é justificada.

Se há infração, deve haver punição. O trânsito mata. Isso é argumento suficiente para que exista uma severa fiscalização. Conheço tuiteiros que aproveitam essa ferramenta de comunicação para evitar locais de blitz. É claro que, não raramente, essas blitzs nos são um incômodo e fugir delas, frequentemente, é compreensível. No entanto, muitos desses que evitam as vias onde ficam as fiscalizações procuram esquivar-se de uma situação em que eles, os condutores, estão errados – muitos até embriagados – e capazes de provocar mortes.

O trânsito é uma atividade coletiva, as atitudes tomadas atingem bem mais pessoas que podemos imaginar. Talvez digam que eu sou um chato. Porém, não sei se será fácil chamar dessa maneira muitas pessoas aleijadas, ou psicologicamente afetadas, ou mortas pela imprudência de condutores.  Não sei se será fácil chamar dessa maneira os parentes dessas vítimas.

Para acabar com a indústria da multa, sugiro evitar infrações de trânsito. 


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Tropa de Elite 2: Faca na caveira... de Hamlet



Assisti ao filme Tropa de Elite 2 na semana passada. Gostei tanto que o vi novamente. O roteiro é excelente, os cortes de cenas estão precisos e a atuação de Wagner Moura superou-se em relação ao Tropa de Elite anterior. Não há como assistir ao filme e não se lembrar da ação policial recente no Complexo do Alemão, do imbróglio do caso Satiagraha − que afastou Protógenes Queiroz e favoreceu Daniel Dantas – e do senso comum da desonestidade política brasileira.

Esta postagem, no entanto, almeja apenas expor algumas impressões que tive do filme. Talvez certas associações sejam exageradas. Como não sou crítico de cinema, apenas o leitor da obra, tenho liberdade de não temer “erros crassos”. Quando vi Wagner Moura na película, lembrei -me imediatamente de Hamlet, cujo papel o ator havia recentemente representado. A associação foi automática, apesar de Hamlet-Wagner Moura-Cel. Nascimento não serem aparentemente compatíveis. Porém, quando vi dois personagens parodiando a célebre cena do cemitério e o monólogo do to be or not to be, percebi pontos de tangência entre o drama hamletiano e a história contada no longa.

Hamlet não é Cel. Nascimento, grosso modo aquele é paciente, este é agente. Ação é o que encontramos no cotidiano do protagonista de Tropa de Elite 2, bem diferente do Hamlet que conhecemos, cuja vingança é procrastinada além do que parece ser razoável para um príncipe que teve o pai – rei da Dinamarca – assassinado. Hamlet se espanta ao saber que terá de colocar seu mundo nos eixos. The time is out of join; O coursed spite / That ever I was born to set it right! (I, v, 186-187), desabafa para Horácio, seu amigo. Colocar as coisas no lugar não foi fácil para Hamlet, se é que ele conseguiu isso.

Cel. Nascimento parece encarar uma realidade similar, isto é, fora dos eixos. Representante de uma instituição zeladora da justiça e da honestidade, Nascimento, funcionário público, deve fazer aquilo que a sociedade espera dele. Ao cumprir com sua função, o policial encontra um sistema que encobre muita sujeira. O crítico de cinema L. G. de Miranda Leão [1] diz que o Cel. Nascimento revolta-se contra a praga dos políticos corruptos e perigosos capazes até de mandar executar quem lhes cruze o caminho. Mas o policial não se corrompe nem se afasta da polícia, os caminhos mais prováveis para aqueles que se deparam com essa situação. Ele persevera em sua missão – será esta a palavra adequada? – , mas não sabe bem por qual motivo. Não é pelo salário. As locações na casa do Cel. Nascimento revelam sua situação econômica, incompatível com a responsabilidade que ele carrega.

Assim como nosso herói, outros profissionais no Brasil também lutam para colocar o país nos eixos. Penso em muitos professores de escolas públicas diante da falta de material, de bons salários e de adequadas condições de trabalho, além da indisciplina, do desrespeito e das agressões de muitos alunos. Lembro-me dos vários médicos que, sem condições adequadas de prestar o melhor serviço, se desdobram para, muitas vezes, salvar vidas. Como exemplo, cito os médicos e outros profissionais da saúde do IJF, em nossa Fortaleza.

There are more things in heaven and earth (I, v, 165), diz Hamlet a Horácio. Há bem mais sujeira em nosso país que no filme de Padilha. Não há um sistema somente, há vários deles que se alastram e emperram o funcionamento do Brasil, tirando-o do eixo e não permitindo que o brasileiro torne-se cidadão.  Mas o país não está sem jeito. Concordo com L. G. Miranda Leão ao escrever que deve haver uma conscientização dos eleitores e dos políticos sérios para que as instituições democráticas e a justiça se fortaleçam, a fim de que a impunidade e a corrupção sejam debeladas. O filme Tropa de Elite 2 levanta essas questões. Para isto ele existe, para suscitar reflexão, como faz a boa arte.


Para Luciana Sousa, por ter me indicado o filme.



[1] “O campeão nacional”, Diário do Nordeste, Caderno 3, p. 6, de 10 jan. de 2011.
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