Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Tropa de Elite 2: Faca na caveira... de Hamlet



Assisti ao filme Tropa de Elite 2 na semana passada. Gostei tanto que o vi novamente. O roteiro é excelente, os cortes de cenas estão precisos e a atuação de Wagner Moura superou-se em relação ao Tropa de Elite anterior. Não há como assistir ao filme e não se lembrar da ação policial recente no Complexo do Alemão, do imbróglio do caso Satiagraha − que afastou Protógenes Queiroz e favoreceu Daniel Dantas – e do senso comum da desonestidade política brasileira.

Esta postagem, no entanto, almeja apenas expor algumas impressões que tive do filme. Talvez certas associações sejam exageradas. Como não sou crítico de cinema, apenas o leitor da obra, tenho liberdade de não temer “erros crassos”. Quando vi Wagner Moura na película, lembrei -me imediatamente de Hamlet, cujo papel o ator havia recentemente representado. A associação foi automática, apesar de Hamlet-Wagner Moura-Cel. Nascimento não serem aparentemente compatíveis. Porém, quando vi dois personagens parodiando a célebre cena do cemitério e o monólogo do to be or not to be, percebi pontos de tangência entre o drama hamletiano e a história contada no longa.

Hamlet não é Cel. Nascimento, grosso modo aquele é paciente, este é agente. Ação é o que encontramos no cotidiano do protagonista de Tropa de Elite 2, bem diferente do Hamlet que conhecemos, cuja vingança é procrastinada além do que parece ser razoável para um príncipe que teve o pai – rei da Dinamarca – assassinado. Hamlet se espanta ao saber que terá de colocar seu mundo nos eixos. The time is out of join; O coursed spite / That ever I was born to set it right! (I, v, 186-187), desabafa para Horácio, seu amigo. Colocar as coisas no lugar não foi fácil para Hamlet, se é que ele conseguiu isso.

Cel. Nascimento parece encarar uma realidade similar, isto é, fora dos eixos. Representante de uma instituição zeladora da justiça e da honestidade, Nascimento, funcionário público, deve fazer aquilo que a sociedade espera dele. Ao cumprir com sua função, o policial encontra um sistema que encobre muita sujeira. O crítico de cinema L. G. de Miranda Leão [1] diz que o Cel. Nascimento revolta-se contra a praga dos políticos corruptos e perigosos capazes até de mandar executar quem lhes cruze o caminho. Mas o policial não se corrompe nem se afasta da polícia, os caminhos mais prováveis para aqueles que se deparam com essa situação. Ele persevera em sua missão – será esta a palavra adequada? – , mas não sabe bem por qual motivo. Não é pelo salário. As locações na casa do Cel. Nascimento revelam sua situação econômica, incompatível com a responsabilidade que ele carrega.

Assim como nosso herói, outros profissionais no Brasil também lutam para colocar o país nos eixos. Penso em muitos professores de escolas públicas diante da falta de material, de bons salários e de adequadas condições de trabalho, além da indisciplina, do desrespeito e das agressões de muitos alunos. Lembro-me dos vários médicos que, sem condições adequadas de prestar o melhor serviço, se desdobram para, muitas vezes, salvar vidas. Como exemplo, cito os médicos e outros profissionais da saúde do IJF, em nossa Fortaleza.

There are more things in heaven and earth (I, v, 165), diz Hamlet a Horácio. Há bem mais sujeira em nosso país que no filme de Padilha. Não há um sistema somente, há vários deles que se alastram e emperram o funcionamento do Brasil, tirando-o do eixo e não permitindo que o brasileiro torne-se cidadão.  Mas o país não está sem jeito. Concordo com L. G. Miranda Leão ao escrever que deve haver uma conscientização dos eleitores e dos políticos sérios para que as instituições democráticas e a justiça se fortaleçam, a fim de que a impunidade e a corrupção sejam debeladas. O filme Tropa de Elite 2 levanta essas questões. Para isto ele existe, para suscitar reflexão, como faz a boa arte.


Para Luciana Sousa, por ter me indicado o filme.



[1] “O campeão nacional”, Diário do Nordeste, Caderno 3, p. 6, de 10 jan. de 2011.
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Um comentário:

  1. Caríssimo Van,
    obrigada por dedicar-me o post. Ainda no curso de mitologia fiz propaganda elogiosa do filme, assinei embaixo, declarei-me fã do Capitão/Coronel Nascimento. Também não sou crítica, mas amante do cinema, por isso concordo em parte com algumas de suas colocações, a começar pela comparação com Hamlet. Ela é sim possível, no entanto não o vejo como paciente, mas tão agente quanto Nascimento, apenas em níveis distintos. Ele, Hamlet, é engenhoso, ardiloso até, engendra uma trama e faz uso da arte para desmascarar seus inimigos. Ele também mata, embora não seja este seu ofício.
    Para terminar, acho que os eleitores e os políticos sérios não carecem de conscientização. Eles já se desdobram, dão a cara à tapa, o filme mostra isso. Agora mesmo, nos EUA, Arizona, uma candidata foi alvo de atentado político, com ela simpatizantes e até uma criança. Precisa sim haver mais vergonha na cara, somos tão podres quanto quem elegemos. É o preço do poder.

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