Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Da esperança de um ano novo.



Acabo de receber uma correspondência do Instituto Nacional do Câncer. Nela, o instituto agradece por eu estar inscrito no registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME). Enviaram-me, juntamente com a carta, um cartão de doador voluntário. Isso me motivou a fazer esta postagem.

Nesta véspera de Ano Novo, é comum o sentimento de esperança. Fazemos promessas, planejamos melhorar algo, visamos melhor remuneração ou emprego, etc. Nem tudo, porém, depende de nós para acontecer. Por exemplo, a vontade do empregador é capaz de nos prejudicar ou contribuir para uma conquista pessoal; decisões governamentais são necessárias para realizarmos um grande desejo. Muitas pessoas, algumas desconhecidas mesmo, podem mudar a rota que escolhemos. Em contrapartida, nós também temos a capacidade de transformar a vida de muitos.

É bom saber que eu poderei, talvez neste ano que se anuncia, salvar uma vida. É muito gratificante saber que alguém, em algum lugar do mundo, poderá contar comigo para extinguir uma grande tristeza.

Feliz ano novo a todos. Que neste novo tempo, cada um seja o motivo da alegria de outro(s). Se possível, seja um doador de medula. Se não, há outra maneiras de se enxugar lágrimas.


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Da mudança dos símbolos



O luxuoso hotel Emirates Palace de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, apresentou uma árvore de Natal decorada com pedras preciosas no valor de 11 milhões de dólares.
"É a árvore de Natal mais cara já decorada (...), com um valor de mais de 11 milhões de dólares", declarou durante cerimônia de apresentação o diretor-geral do hotel, Hans Olbertz.
Com 13 metros de altura, a árvore é decorada com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas, disse Khalifa Khuri, proprietário da joalheria encarregada da decoração.
"A árvore custa 10.000 dólares, mas as jóias, 11,4 ou 11,5 milhões de dólares, acho", assegurou Olbertz, acrescentando que têm a intenção de contatar a organização do Livro Guinness dos Recordes para homologar o pinheiro como o mais caro do mundo.

O trecho acima é de um site de notícias, mas eu soube da famosa árvore pela televisão. Essa novidade me fez lembrar do poder de mutação dos símbolos. O 25 de dezembro, por exemplo, já foi festa pagã em honra ao deus romano Mitra. O cristianismo adotou a data e considerou o 25 de dezembro como o dia do nascimento do Sol Vencedor: Jesus Cristo.

Observando a árvore do Emirates Palace, fico pensando sobre qual a relação entre tanto luxo e a tradicional manjedoura do menino judeu. Burros e ovelhas, pastores e magos, Maria e José não parecem ter muito a ver com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas. Assim como uma família reunida, feliz com o nascimento de um filho, não se coaduna com grupos de pessoas comprando e passando de lá para cá, eufóricos com suas compras natalinas.

A árvore do hotel de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, − Jesus, segundo a narrativa mítica, tinha apenas uma −, é símbolo perfeito de um Natal que não mais tem relação com os festejos de Mitra, nem com o nascimento de Cristo, mas com um Novo, Poderoso e Sedutor Deus: o poder de ter. A árvore mais rica do mundo só perde em simbolismo para outro ícone desse Natal que vira as costas à Manjedoura: o Papai Noel.

Neste Natal, desejo que o simbolismo do mito da Natividade não perca sua essência para você que me lê. Que a mensagem mítica da Encarnação revele valores há muitos menosprezados, mas nem por isso antiquados: a fraternidade e a solidariedade.

Contra um mundo que teima em não ser melhor, desejo um Feliz Natal.


terça-feira, 14 de dezembro de 2010

João da Cruz e da Poesia



Hoje, comemoramos o poeta e místico espanhol São João da Cruz (1542-1591). Artista cuja obra é produto do contato pessoal com esse ser-ideia tido como Deus, ele tenta, por meio da escrita, da linguagem literária, discorrer sobre sua vivência mística. Para expressar uma realidade transcendental, é necessária uma linguagem multifacetada. Em São João da Cruz, a experiência religiosa gera poesia.

Selecionei um poema que faz parte do tratado Noite Escura. Apesar de o monge carmelita descalço fazer verdadeira exegese de seu poema, a obra literária não se amarra e permite várias interpretações, não somente as que o santo nos dá. A poesia de João da Cruz, por sua capacidade de desvelar-se e nunca revelar-se, lembra o uróboro, símbolo do infinito; a obra de arte é ilimitada em seus sentidos. Ao contrário do dogmatismo, o misticismo muitas vezes afirma que há tantos caminhos para Deus quantas são as pessoas, como diz Karen Armstrong em sua Uma história de Deus. Diferentemente da crítica que fundamenta o entendimento de uma obra na pessoa do autor, a experiência poética parece mostrar que há tantas interpretações quanto há leitores. Segue o poema em espanhol e português. Logo após, link do poema musicado.

En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.                  

  A oscuras y segura,
por la secreta escala disfrazada,
(¡oh dichosa ventura!)
a oscuras y en celada,
estando ya mi casa sosegada.                    

  En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba cosa,
sin otra luz ni guía                             
sino la que en el corazón ardía.                

  Aquésta me guïaba
más cierta que la luz del mediodía,
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía,
en parte donde nadie parecía.                   

  ¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado transformada!                  

  En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.              

  El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.                 

  Quedéme y olvidéme,
el rostro recliné sobre el amado,
cesó todo, y dejéme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.     


Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh, ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado. 


O Cristo de São João da Cruz, de Salvador Dali




              



domingo, 12 de dezembro de 2010

Bodas

Contraluz, por Avatamar



Ontem, meu cunhado casou. O casamento foi em uma cidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Tentou-se transmitir a cerimônia pelo Skype, mas não se obteve sucesso. Nem sempre podemos nos fiar na tecnologia. Ficamos aqui, em Fortaleza, desejando felicidades para os noivos. Hoje, que coincidência, faço dois anos de casado. Comemoro bodas de algodão. Em meio a dois casamentos, pensei em fazer uma postagem sobre meu aniversario de matrimônio.

Queria, nesta postagem, discorrer sobre esses dois anos de casamento, fazer referências ao algodão e à simbologia das bodas. No entanto, a propósito do algodão, só me vem o slogan da Malwee – gostosa como um abraço. Se fosse bodas de papel – um ano de casamento – seria mais fácil, pois papel lembra escritura, leitura, livros, histórias. Se contar com os anos de namoro e noivado, eu e minha mulher completamos bodas de cristal. Mas cristal é frágil. Assim, a simbologia fica talvez comprometida.

Tentei escrever um texto bem emotivo; romântico até. Mas, nestes últimos dias, tenho andado aborrecido, com problemas que me deixam bem chato. Portanto, nada de romantismo agora. Amar e viver a dois – ou a três, quatro, cinco... (estou falando de filhos) – não pode se resumir em histórias emotivas. Pelo contrário, amar exige ação, como expus em uma postagem do dia 27 passado. Não vou me repetir, então. Nesses últimos dias, minha esposa tem sido o que ela sempre foi nesses anos de relacionamento: uma verdadeira companheira. Ela se irrita às vezes, explode às vezes, mas sempre me mostra o melhor que sou, mesmo quando eu não percebo.

Dizem que Jesus transformou água em vinho em uma festa de casamento para que os noivos não passassem vergonha. Talvez ele tenha feito isso porque sua mãe pediu, ou porque queria que percebêssemos a importância do amor, ou porque fosse amigo dos noivos e desejava agradá-los (que baita presente esse, não?), ou por todos esses motivos. Nessa história, o que me chama a atenção é que casamento deve ser sempre uma festa, não que não falte o vinho, mas que nunca falte a alegria e – óbvio – o amor.

Elizangela, obrigado por tantos anos de amizade, alegria e amor. Que seu irmão possa encontrar isso também na mulher com quem ele se casou ontem.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Bertram e Hamlet: personagens marcadas pelos signos da morte.




No VII Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará, de 9 a 12 de novembro de 2010, apresentei o seguinte trabalho: 

“BERTRAM E HAMLET: PERSONAGENS MARCADAS POR SIGNOS DA MORTE”. 

São algumas considerações iniciais sobre pontos de tangência entre o conto “Bertram”, de Álvares de Azevedo, e o Hamlet, de Shakespeare. Apesar de não ser um estudo aprofundado, acredito que os comentários sejam pertinentes. Segue abaixo o link do artigo, que está nos anais do encontro, p. 347-353. 

https://www.dropbox.com/s/2s0kq3pwndvb7mw/Anais%20-%207inter%20-%201ed.pdf 


Ofereço esta postagem a L. Bernardes, a ela meus agradecimentos.