Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Da mudança dos símbolos



O luxuoso hotel Emirates Palace de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, apresentou uma árvore de Natal decorada com pedras preciosas no valor de 11 milhões de dólares.
"É a árvore de Natal mais cara já decorada (...), com um valor de mais de 11 milhões de dólares", declarou durante cerimônia de apresentação o diretor-geral do hotel, Hans Olbertz.
Com 13 metros de altura, a árvore é decorada com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas, disse Khalifa Khuri, proprietário da joalheria encarregada da decoração.
"A árvore custa 10.000 dólares, mas as jóias, 11,4 ou 11,5 milhões de dólares, acho", assegurou Olbertz, acrescentando que têm a intenção de contatar a organização do Livro Guinness dos Recordes para homologar o pinheiro como o mais caro do mundo.

O trecho acima é de um site de notícias, mas eu soube da famosa árvore pela televisão. Essa novidade me fez lembrar do poder de mutação dos símbolos. O 25 de dezembro, por exemplo, já foi festa pagã em honra ao deus romano Mitra. O cristianismo adotou a data e considerou o 25 de dezembro como o dia do nascimento do Sol Vencedor: Jesus Cristo.

Observando a árvore do Emirates Palace, fico pensando sobre qual a relação entre tanto luxo e a tradicional manjedoura do menino judeu. Burros e ovelhas, pastores e magos, Maria e José não parecem ter muito a ver com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas. Assim como uma família reunida, feliz com o nascimento de um filho, não se coaduna com grupos de pessoas comprando e passando de lá para cá, eufóricos com suas compras natalinas.

A árvore do hotel de Abu Dhabi, que reivindica sete estrelas, − Jesus, segundo a narrativa mítica, tinha apenas uma −, é símbolo perfeito de um Natal que não mais tem relação com os festejos de Mitra, nem com o nascimento de Cristo, mas com um Novo, Poderoso e Sedutor Deus: o poder de ter. A árvore mais rica do mundo só perde em simbolismo para outro ícone desse Natal que vira as costas à Manjedoura: o Papai Noel.

Neste Natal, desejo que o simbolismo do mito da Natividade não perca sua essência para você que me lê. Que a mensagem mítica da Encarnação revele valores há muitos menosprezados, mas nem por isso antiquados: a fraternidade e a solidariedade.

Contra um mundo que teima em não ser melhor, desejo um Feliz Natal.


3 comentários:

  1. Símbolos e signos são mutáveis,como também o é o homem. Alguns perduram em seus valores,outros são ressignificados,incorporam o que é próprio da época. Sou reticente às críticas,uma vez que colhemos o que plantamos. Oferecemos o que temos.
    Entendo sua crítica ao comércio, à distorção de valores,à perda de sentidos, mas vejo a elobaração, o trabalho que deu para montar a tal árvore dos Emirados Árabes. Tem de haver algum propósito.
    Lembremos que além dos pastores,haviaos reis magos,que ofereceram ouro, incenso e mirra. São presentes para o rei,o Rei dos reis. Não import que seja numa gruta,numa manjedoura ou numa árvore cravejada de diamantes.

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  2. Quando vejo o estacionamento do Iguatemi lotado às vésperas do Natal comprando coisas pra terminar de pagar no São João ou pessoas ligando pras outras dizendo "não tenho presente, mas feliz natal" eu realmente fico triste. Não porque eu seja cristão e ache que isso desvirtua o espírito, porque, como você mesmo disse, o Natal cristão é apenas uma apropriação de outra festa. O problema que eu vejo é a nossa passividade em relação a essa propaganda toda. Como diziam os Engenehiros, "propaganda é a alma do negócio, no nosso peito bate um alvo muito fácil".

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  3. “Burros e ovelhas, pastores e magos, Maria e José não parecem ter muito a ver com arcos de prata e com 181 peças em diamantes, pérolas, esmeraldas, safiras e outras pedras preciosas.”

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    Isso.
    Da mesma forma, eles pouco têm a ver com catedrais suntuosas, as contas bancárias do Vaticano, sua mobília decorada, as indumentárias faustosas de seus servidores e seus crucifixos em ouro e madrepérola. O próprio Papa sempre anda muito paramentado, coroado e cheio de apetrechos. Toma vinho em cálices dourados quando celebra missas. Nunca vi na televisão um papa mandar uma mensagem de natal num estábulo, dando graças aos fiéis lado a lado com um jumento.

    É verdade que, tanto em Roma quanto em Abu Dhabi, andam desvirtuando os símbolos natalinos. Eu entendo a decepção que isso causa em algumas pessoas. Quem se incomoda com isso pode ao menos se confortar ao lado muita gente que pensa o mesmo. Bem diferente é a situação do deus romano Mitra, cujo desapontamento é bem maior e que não conta com a empatia de ninguém!

    além da minha...

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