Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Miniconto(?): Ofélia



A jovem Ofélia, agarrada a seu livro, adentrou-se na floresta.
There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoar leaves in the glassy stream;
There with fantastic garlands did she come
Of short stories, fairy tales, poems, and long novels.
Subiu na árvore, envolveu-se nas folhas,
An envious sliver broke;
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide;
And, mermaid-like, awhile they bore her up.
Porém as folhas encharcaram-se
E no turbilhão labiríntico em que estava
Para o fundo arrastaram-na.
Too much of words hast thou, poor Ophelia.


Para Luciana Sousa, como incentivo a seu projeto de pesquisa.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sonhei com Machado de Assis



Sonhei com Machado de Assis. Ele estava caminhando na Av. Pe. Pedro de Alencar, em Messejana, terra de José de Alencar, quase em frente à Farmácia Pague Menos. Eu estava do outro lado. Acenei. Ele me respondeu com outro aceno e um sorriso. Coisas de sonho. Atravessei a avenida e tentei falar com ele.

É claro que passou pela minha mente fazer aquela pergunta sobre a Capitu que tantos gostariam de fazer... mas não a fiz. Por quê? Ora, porque a resposta dele seria apenas a resposta do autor. Apenas mais uma entre tantas possibilidades que o texto pode demonstrar. O texto literário se reinventa a partir das interpretações de seus leitores. A arte desvela, não revela. Sendo linguagem simbólica, o mundo proposto pela literatura é separado do real, e as palavras perdem sua determinação e segurança, como afirma Cyd Ottoni Bylaardt, em seu artigo “Autoria e morte em O manual dos inquisidores, de António Lobo Antunes”, no livro As máscaras de Perséfone (2006, p. 18). Além disso, a questão do provável adultério é uma entre as várias questões que podem ser percebidas em D. Casmurro, e certamente não é a mais importante, você não acha?

Pintura de Werner Horvath

Esse sonho com Machado não foi de agora. Ocorreu há certo tempo, quase há um ano. Relembrei-o aqui porque hoje sonhei com outro escritor: Nikos Kazantzakis. Para quem não o conhece, Kazantzakis foi um poeta, romancista e filósofo grego. Uma de suas obras cuja leitura me foi marcante chama-se A última tentação de Cristo. Esse romance talvez não seja o trabalho mais importante dele, mas certamente é o mais conhecido. Ao lê-lo, não consegui deixar de fazer contrapontos com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago. No sonho, após breve palestra, Kazantzakis, sentado em um sofá na casa de minha avó – coisas de sonho, repito – preparava-se para responder a duas perguntas minhas: você leu o Evangelho de Saramago? Essa leitura foi importante para a construção de seu romance? Acordei nesse momento.

Para quem conhece a abra do grego e do português, a resposta óbvia é não, pois o romance de Saramago foi publicado trinta anos depois do de Nikos, em 1991. Os sonhos não conhecem tempo ou espaço, nem mesmo as pessoas, já que, em meu sonho, Kazantzakis lembrava muito o velho Saramago. Mas a pergunta é pertinente, já que obras literárias nascem como respostas a obras literárias anteriores e que essa resposta depende de atos de leitura e interpretação pelos escritores posteriores – atos que se refletem nas novas obras. Assim, o estudo das fontes literárias de um autor é importante para a compreensão do processo criativo daquele que escreve.

Penso que esses sonhos se devam à dissertação que estou escrevendo, sobre leituras por parte de escritores, e principalmente ao texto que estou trabalhando agora: A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de Vigotski, para quem o melhor intérprete não é o autor, mas o leitor.