Babel

As palavras são uma fonte de mal-entendidos, já dizia o Príncipe de Exupéry. Façamos delas, então, os alicerces da Babel. Talvez cheguemos ao milagre das línguas, ao pentecostes. Words, words, words.

sábado, 9 de abril de 2011

De holocaustos lembrados e esquecidos.



Quando se fala em holocausto, normalmente lembramos o Holocausto judeu perpetrado pelos nazistas. Vários filmes, livros e documentários não permitem que nos esqueçamos das atrocidades cometidas contra os hebreus. Alguns sobreviventes ou descendentes deles também estão empenhados para não permitir que o massacre fique olvidado. Mas a história se repete, senão com judeus, com outros grupos étnicos. Basta lembrar Ruanda, Kosovo e Camboja.

Holocausto, com maiúscula, passou a significar o genocídio judaico. No entanto, houve, na II Guerra, perseguições a outros grupos, dentre eles deficientes físicos e mentais, negros e gays. Hoje, a perseguição a esses grupos não é muito lembrada. São raros os filmes, livros e documentários sobre isso. Alguém que me lê conhece algum? Imagino que não.

A II Grande Guerra acabou; o (neo)nazismo, não ainda. As ideias discriminatórias endossadas pelos nazistas, essas são bem mais antigas que esse monstruoso movimente e bem mais longevas. A Voz dessas ideias que roubam, matam e destroem não quer calar. Seus ecos se fazem escutar em muitos lugares, inclusive naqueles que deveriam prezar pela solidariedade entre as pessoas e respeito às diferenças.

Um desses lugares é a escola. Segundo uma pesquisa de 2009 feita pela Faculdade de Economia e Administração da USP, o preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais e mães, professores, diretores e outros funcionários das escolas brasileiras. O grupo mais discriminado é o de deficientes, principalmente os mentais. Negros e homossexuais se seguem na lista da discriminação. A Voz que ecoava nos ouvidos nazistas repercute em nossas escolas, as quais, por sua vez, são espelho da sociedade brasileira. 

Outros lugares são as igrejas. Recentemente, o twitter do deputado e pastor Marco Feliciano expunha a seguinte mensagem: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss”. Desqualificar toda uma população continental usando como argumento um mito como se fosse fato é imoral. É desconsiderar toda uma história de exploração de povos por interesses econômicos e políticos. O comentário foi de uma pessoa apenas, mas reflete o pensamento de muitos fiéis de várias congregações que apóiam o desrespeito ao outro a partir de teologias que ferem a dignidade alheia.

Outro lugar são as câmaras legislativas. Recentemente, houve a polêmica envolvendo o parlamentar Jair Bolsonaro ao responder a uma pergunta do programa humorístico “CQC” exibido no último dia 28. A cantora Preta Gil perguntou ao deputado o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. A resposta, considerada racista, foi a seguinte: “ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu". O deputado afirmou que se confundiu com a pergunta feita e não se referiu aos negros em sua resposta. Desde então, Bolsonaro faz criticas a homossexuais e elogios a ditadura militar em algumas entrevistas.

Uma manifestação em São Paulo de apoio a esse parlamentar foi convocada na Internet. O protesto, batizado de “ato cívico”, divulgou-se em rede sociais, como o Orkut, e no fórum “Stormfront.org”, administrado pelo movimento neonazista “White Pride World Wide”, segundo informa o site de notícias UOL. A convocatória, publicada por um membro denominado “Erick White”, é finalizada com os números “14/88”, simbologia nazista que faz referência a Adolfo Hitler e ao nacionalista norte-americano David Lane, defensor do mito (entenda-se mentira) da supremacia branca. É a opinião de um deputado apenas, dirão alguns. Ela representa, porém, a visão de vários eleitores que o escolheram por essas ideias. De acordo com policiais que estiveram no local da manifestação, oito pessoas foram identificadas por envolverem-se em atividades sob investigação, como participação violenta em protestos racistas e homofóbicos, inclusive com artefatos explosivos.

Um colega me disse que as pessoas que concordam com essa Voz não são muitas. Mesmo que seja assim, não deixa de ser alarmante, pois há ideias envolvidas que produzem destruição e morte. Além disso, muitos que reafirmam esse ideário são formadores de opinião: políticos, líderes religiosos, jornalistas, professores. A Voz insiste em não calar. Ela não grita sua mensagem, somente murmura seu veneno aos ouvidos. Ela vem para roubar, matar e destruir. Em nosso país, ela não pode ter vez. Deve ser abafada, para que a VOZque realmente importa seja ouvida, aquela que diz que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.


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