Sei que há tempos não atualizo o blogue. Apesar de isso
parecer desrespeito aos leitores, deixei claro, desde o início, que as
postagens poderiam ser muito intermitentes. Gostaria de ter escrito sobre
muitas situações, como o caso da jovem paquistanesa Malala Yousafzai, que
sobreviveu a um atentado do Talibã por defender a educação feminina, e o
descaso do PT com a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Mas
não tive tempo.
Retomo minha escrita para discorrer sobre coincidências.
Muitas delas tornam-se especiais e plenas de simbolismo, pois as ligamos a
nossa individualidade. As datas e alguns fatos, para quem estima as
coincidências, vêm a ser signos de múltiplas interpretações. Por causa de minha
admiração por Shakespeare, tentarei elencar algumas coincidências que me são
caras.
Quando criança, ao ser alfabetizado, minha professora
mandava-me grafar meu nome com W e S. Somente depois de alguns anos, a
secretária da escola mostrou-me que meu nome começava com um simples V, e não
com o diferente “Vê dáblio”. Coincidentemente, durante certo tempo, minhas
iniciais foram as mesmas de William Shakespeare!
Eliza Triumphans, quadro atribuído a Robert Peake. |
O teatro de Shakespeare cresceu em um ambiente propício
devido à política e à economia orquestradas pela Rainha Elizabeth I, para quem
Will chegou a apresentar seus trabalhos. Sem o reinado dessa Tudor amante do
teatro – ela mesma uma atriz do jogo político – , a história teatral inglesa e
shakespeariana seriam bem diferentes. Minha história pessoal seria também díspar
se não existisse na minha vida uma Eliza
Triumphans, minha esposa, Elisângela, cujo radical etmológico é o mesmo da
soberana Bess.
Shakespeare em família. |
Vejamos as datas. Os gêmeos de Shakespeare, Hamnet e Judith,
nasceram em 2 de fevereiro de 1583. Meu irmão mais novo e mais parecido fisicamente comigo
nasceu também em 2 de fevereiro.
Shakespeare nasceu em 23 de abril, dia também de São Jorge,
padroeiro da Inglaterra, inimiga feroz da católica Espanha à época. Visto não
haver o registro de nascimento do Bardo, convencionou-se celebrar no dia do
santo. Dia 23 de abril é o Dia Internacional do Livro, não só pelo inglês
Shakespeare, mas pelo espanhol Miguel de Cervantes, cuja morte foi registrada
em 23 de abril, dia também da morte de Shakespeare! Coincidência! Não, pois, em
1577, o papa Gregório XIII propôs pular dez dias no calendário juliano, que
avançara dez dias no ciclo celestial. Em
1585, a Europa católica obedeceu a sua recomendação e combinou-se que o dia
seguinte a 4 de outubro seria 15 de outubro. Os países protestantes, como a
Inglaterra, opuseram-se à mudança. Assim, Shakespeare e Cervantes não morreram
no mesmo dia, ainda que fossem as datas 23 de abril.
Miguel de Cervantes |
Shakespeare foi batizado - e a certidão de Batismo é o
primeiro documento autêntico do poeta – em 26 de abril de 1564. Eu nasci em 26
de março, mas minha certidão de nascimento traz a data de 26 de abril como a de
meu nascimento. Coincidência e erro do cartório. Ano passado, cheguei a
comemorar essa data com os amigos.
Detalhe da certidão de nascimento de William Shakespeare |
Shakespeare teve gêmeos. Eu também tive gêmeos. Eles
nasceram, os meus garotos, em 14 de dezembro, dia de outro poeta, o espanhol
João da Cruz, amigo da grande santa da Espanha Teresa d’Ávila, que morreu às 9
horas da noite de 4 de outubro de 1582. Exatamente no dia seguinte, efetuou-se
a mudança para o calendário gregoriano, que suprimiu dez dias, de modo que a
festa da santa foi fixada, mais tarde, para o dia 15 de outubro, dia do
professor. Eu sou professor.
Teresa d'Ávila e João da Cruz |
Segundo os exames de ultrassom – assim falou o médico – os
meus filhos foram concebidos, provavelmente, no dia 26 de abril.
Machado de Assis escreveu o seguinte sobre o poeta inglês: "Um
dia, quando já não houver império britânico, nem república norte-americana,
haverá Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare. Que
valerão então todas as atuais discórdias? O mesmo que as dos gregos, que
deixaram Homero e os trágicos.”
Diante dos dois bebês em seus berços, o que é, para mim,
Shakespeare? Diante do barulho de suas gargalhadas infantis, o que é, para mim,
o verso shakespeariano? Diante do olhar deles, o que é, para mim, os olhos de
Shakespeare sobre a alma humana? Qual o sentido agora, para mim, do 26 de
abril, dia imperscrutável, em que minha vida começou a mudar sem que eu
soubesse? Shakespeare escreveu que “[...] tal como o grosseiro substrato desta
vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas
majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se,
[...] sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida
pequenina é cercada pelo sono.” Talvez algo que demore mais a desaparecer seja
a obra shakespeariana. Mas agora, para mim, ela não vale sequer os dentinhos
que já apontam na boca de cada um dos meus filhos, que dormem e sonham.
Esta postagem deveria ter sido publicada no dia 26 passado.
Shakespeare merecia isso, mas os meninos não deixaram, eles me demandaram todo
o tempo.
P.S. É claro que eu espero que eles leiam Shakespeare e gostem dele!
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