Árvore de Natal, Praça Portugal, Fortal.-CE |
Este blogue não é religioso, apesar das inúmeras
considerações sobre religião constantes em diversas postagens. Justifico isso
pelo fato de, no Brasil, a religião cristã exercer influência em nossa
sociedade, mesmo sobre indivíduos não religiosos ou ateus. Aqui, o Natal – a
solenidade do nascimento – é uma grande festa religiosa. Ainda que exista a
questão do consumismo, ainda permanece (ainda) o caráter espiritual da
celebração.
Esse Natal é o mais diferente de todos por que já passei. Ainda
que haja dois pequenos pinheiros e uma reprodução iconográfica da Sagrada
Família, ambos postos como decoração por minha esposa, o maior símbolo natalino
está no quarto ao lado da biblioteca: duas
crianças nascidas há pouco mais de uma semana – meus filhos. Eles vieram ao
mundo de maneira preocupante, pois a mãe apresentou um quadro de saúde de
relevantes cuidados, assim o parto precisou ser antecipado. Nasceu o primeiro a
00h02 min de 14 de dezembro, o segundo veio à luz a 00h03min. Tivemos a ajuda solidária
(há pleonasmo aqui?) de alguns amigos durante esse momento de tensão e durante
esses primeiros dias de recentes maternidade e paternidade. Olhando para meus
garotinhos, noto duas pessoas dependendo totalmente de mim. Isso desperta,
sinceramente, uma inquietação. Não posso, ou, pelo menos, não quero, falhar com
eles. Creio que essa preocupação com o outro, destacadamente com os filhos, é
algo muito humano, demasido humano. Não há espiritualidade aqui.
A reflexão de Natal que proponho, ainda que baseada em narrativas
míticas religiosas, busca fugir do espiritual e manter-se no humano. Escolhi o
Evangelho de Mateus, cujo símbolo é um homem, por tratar do Jesus dito
histórico, do Jesus-homem. Quero comentar muito brevemente alguns milagres expostos nesse texto bíblico. Enquanto tantos se impressionam mais
com os anjos e a estrela que anunciam o nascimento de Cristo, penso que vale
bem mais a pena ater-se à manjedoura e às pessoas que estão na cena do
presépio.
Quando assisti ao filme Maria, a mãe do Filho de Deus (película
ruim, por sinal), uma frase...
(Os gêmeos começaram a chorar, pausa para vê-los.)
... chamou-me a atenção.
Maria diz que gostaria que o filho dela não fizesse milagres, assim talvez as
pessoas o buscassem somente pelo que ele dizia. Ou seja, a atitude de respeito
para com o próximo. Grande parte dos milagres feitos por Jesus têm como
resultado a recuperação da dignidade humana perdida. A lei mosaica legisla que
todo portador de lepra seja lançado fora do arraial, da comunidade. Em Mateus,
ao curar um leproso, considerado amaldiçoado, Jesus dá condições de que o
doente volte ao convívio da comunidade, não mais como pária, mas como igual. Muitos,
por olharem o milagre, não notam o que realmente importa: restabelecer o ser
humano perante os outros
Ainda nesse Evangelho, lemos a narrativa da mulher que
possuía um fluxo contínuo de sangue. Ora, a lei dizia que toda mulher com fluxo
era impura, e todo aquele que a tocasse ou todo objeto por ela tocado eram
impuros também. “Quando uma mulher tiver seu fluxo de sangue, ficará impura
durante sete dias: qualquer um que a tocar será impuro até a tarde.” (Levítico 15,19) A mulher possuía o
fluxo já havia 12 anos, tendo gastado seu dinheiro com médicos que não a
curaram. Imaginemos os doze anos de vida excluída da comunidade, sem poder
tocar nos seus entes queridos, afastada, discriminada, humilhada. Jesus a cura.
De que maneira? Deixando-se tocar. Ou seja, em vez de se contaminar, como reza
a lei, a mulher é curada, sua dignidade é recuperada.
Em nosso Brasil, está cada vez mais comum pastores e padres
que dizem curar câncer, libertar da AIDS, expulsar demônios. Não acredito neles, acredito em pessoas que
realizam ações que trazem dignidade a grupos excluídos, rotulados, humilhados. Creio
em pessoas que são solidárias; que não (apenas) rezam pelos outros, mas que
agem em prol dos outros. É isto que quero ensinar aos meus filhos: a
solidariedade. Quero que valorizem a vida humana e a dignidade do indivíduo, a
deles inclusive. Gostaria que reconhecessem o Bom Samaritano como exemplo de
vida.
Em um mundo tão individualista, como fazê-los, futuramente,
pensar nos outros e buscar colocar-se no lugar do outro? Isso é motivo de
inquietude. Espero que o Natal desperte essa preocupação em muitos.
O Bom Samaritano, de Claudio Pastro |
Dedico esta postagem a Hildemara Amaral e Tony Fernandes,
pela solidariedade dos últimos dias.
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