Há algumas semanas, a revista Placar foi criticada por conta de uma
montagem em que aparecia Neymar crucificado (reproduzimos acima a imagem). A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou mesmo a emitir nota repudiando o
periódico, acusando-o de desrespeito. Esse pequeno incidente aconteceu dias
depois de charges de Maomé e um vídeo dito anti-islã terem sido divulgados, o
que levou – novamente – a conflitos que resultaram em morte, inclusive do
embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens, de 52 anos (pelo menos, essa
foi a justificativa dada pelo crime). Recentemente, uma foto feita pelo
nova-iorquino Andres Serrano foi destruída a martelo por católicos. A foto
apresenta um crucifixo mergulhado em urina. Serrano afirmou que sua intenção
não era ofender o espírito religioso, mas expressar a vulgarização que existe dos
símbolos cristãos. Em outro caso, uma imagem de Iemanjá foi destruída em
Teresina, provavelmente por cristãos.
Houve um tempo em que me
escandalizava com o “desrespeito” às imagens consideradas sagradas. Sei que muitos
realmente se sentem ofendidos em sua fé com essas demonstrações, mas é
inaceitável que objetos de ouro, gesso, madeira ou qualquer outro material –
inclusive papel – se sobreponham ao que realmente é importante: a vida do
outro. Muçulmanos mataram por causa de um livro que foi queimado. Andres
Serrano chegou a ser ameaçado de morte. Há muita celeuma por causa dessas ditas
blasfêmias, mas pouco barulho e muito menos ação diante das ofensas ao próximo.
Em nosso país, há trabalho escravo, exploração infantil, assassinatos de
minorias. Diante dessas violências ao ser humano, grande parte das pessoas que
professam alguma crença não se manifesta. A maioria dos crentes não se mobiliza
pelo bem comum, como afirma um estudo da Universidade da Califórnia, nos EUA,
que descobriu que as pessoas mais religiosas são menos solidárias do que seria
de esperar. Segundo o resultado, ateus e agnósticos estão mais dispostos a
ajudar. Isso prova que não é necessário um credo para ser virtuoso. Em agosto
passado, milhares de católicos franceses rezaram contra a adoção de crianças
por casais homoafetivos. Pergunto-me quantos desses fiéis, após a oração, dispuseram-se
a adotar uma criança.
Já me incomodei muito por causa das
“blasfêmias” contra os objetos sagrados. Hoje percebo que colocar a dignidade
humana sob qualquer outro valor é muito mais aviltante. A afirmação que segue
talvez soe como ofensa aos religiosos, mas acredito que eu não esteja enganado:
livros, animais, desenhos, fotos, hóstias não podem ser considerados mais
sagrados que o ser humano. Essa é minha blasfêmia.
Impossível não passar à reflexão depois dessas palavras. Realmente é absurdo que pessoas coloquem seus símbolos (quaisquer que sejam) acima daquilo que seus credos mais prezam: a vida.
ResponderExcluirCada vez que vemos casos como esses, mais temos a convicção de que o certo é amar o próximo e acolhê-lo. E, por pior que ele nos pareça, nosso espírito que julga não deve estar muito melhor...