Começo esta postagem com uma parábola. Talvez isso
vá contra a concisão que um texto para um blog
deve ter. Mas prolixidade é uma idiossincrasia vandemberguiana, segundo os
pensadores F. Teixeira e A. Cruz. Assim, não fugirei dela. Eis a parábola,
talvez você, caro internauta, já a tenha ouvido, com leves mudanças.
Certo
homem encontrou um pedinte que, há duas décadas, era cego. Diante daqueles que
os circundavam em plena praça pública, o desconhecido lhe restituiu a visão. Obviamente
quase todos se admiraram – os céticos ficaram a pensar como teria sido o
embuste. Isso, porém, é detalhe. Mais impressionante foi a atitude de alguns
juízes que surgiram dizendo que, naquele dia, era proibido fazer tal cura. A
lei era clara: não era lícito curar cegos naquela segunda-feira daquele ano. Isso
só poderia ser feito no ano seguinte. Já que o rapaz não tinha visão há vinte
anos, bem poderia esperar mais um para voltar a enxergar.
Essa parábola surgiu quando soube da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aplicabilidade da Lei Complementar 135,
de 4 de junho de 2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, nas eleições do ano
passado. Muitos, muitíssimos, queriam que a Lei valesse para as eleições de 2010.
Já outros, por motivos legais ou escusos, diziam que isso iria ferir a
responsabilidade cívica e atentar contra o próprio estado democrático de
direito, pois haveria a violação de dispositivos da Constituição.
Não sei Direito direito, mas sei contar e, se 7 meritíssimos
juízes dizem que a Lei não pode ser aplicada ao pleito de 2010 e 6 outros
meritíssimos juízes tão meritíssimos quanto os primeiros têm opinião diversa,
obviamente a decisão foi acertada. Sete estão corretos, e seis estão errados. (Informaram-me
há pouco que a votação não foi bem assim. Mas o ministro Fux não veio para desempatar o 5x5?)
Não sei direito Direito, mas percebi que – salvo grande
engano meu – não é a lei feita para o cidadão, mas o cidadão para a lei. Percebi
que a ética não está entronizada acima da lei, por isso a lei nem sempre
promove a ética (quanta repetição desnecessária de palavras!): saem os
fichas-limpas, entram os fichas-sujas.
De acordo com o ministro Fux, a Lei da Ficha Limpa é
“um dos mais belos espetáculos democráticos com escopo de purificação do mundo
político”. Para ele, o intuito da moralidade é louvável, mas não pode
ultrapassar um critério técnico estabelecido pela Constituição. “A Lei da Ficha
Limpa é a lei do futuro, uma aspiração legítima da sociedade brasileira. Mas
não pode ser um desejo saciado no presente, em homenagem à Constituição
brasileira”. Eu me pergunto quando será esse futuro, já que a ética não se sobrepõe
à técnica.
O povo brasileiro não vota bem, pois não tem consciência
cidadã suficientemente madura para isso. Para ajudá-lo a não cometer tantos
erros, a Lei da Ficha Limpa parecia um pequeno milagre a dar visão a um cego. Será que o
milagre – como dizem os céticos – revelou-se, pelo menos por enquanto, um
engodo?
Sugiro a leitrua de: Fux vota contra Ficha Limpa em 2010
Sugiro a leitrua de: Fux vota contra Ficha Limpa em 2010