Sonhei com Machado de Assis. Ele estava caminhando na Av.
Pe. Pedro de Alencar, em Messejana, terra de José de Alencar, quase em frente à
Farmácia Pague Menos. Eu estava do outro lado. Acenei. Ele me respondeu com
outro aceno e um sorriso. Coisas de sonho. Atravessei a avenida e tentei falar
com ele.
É claro que passou pela minha mente fazer aquela pergunta sobre
a Capitu que tantos gostariam de fazer... mas não a fiz. Por quê? Ora, porque a
resposta dele seria apenas a resposta do autor. Apenas mais uma entre tantas
possibilidades que o texto pode demonstrar. O texto literário se reinventa a
partir das interpretações de seus leitores. A arte desvela, não revela. Sendo
linguagem simbólica, o mundo proposto pela literatura é separado do real, e as
palavras perdem sua determinação e segurança, como afirma Cyd Ottoni Bylaardt,
em seu artigo “Autoria e morte em O
manual dos inquisidores, de António Lobo Antunes”, no livro As máscaras de Perséfone (2006, p. 18). Além
disso, a questão do provável adultério é uma entre as várias questões que podem
ser percebidas em D. Casmurro, e
certamente não é a mais importante, você não acha?
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Pintura de Werner Horvath
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Esse sonho com Machado não foi de agora. Ocorreu há certo
tempo, quase há um ano. Relembrei-o aqui porque hoje sonhei com outro escritor:
Nikos Kazantzakis. Para quem não o conhece, Kazantzakis foi um poeta,
romancista e filósofo grego. Uma de suas obras cuja leitura me foi marcante chama-se
A última tentação de Cristo. Esse
romance talvez não seja o trabalho mais importante dele, mas certamente é o mais
conhecido. Ao lê-lo, não consegui deixar de fazer contrapontos com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José
Saramago. No sonho, após breve palestra, Kazantzakis, sentado em um sofá na
casa de minha avó – coisas de sonho, repito – preparava-se para responder a duas
perguntas minhas: você leu o Evangelho de Saramago? Essa leitura foi importante
para a construção de seu romance? Acordei nesse momento.
Para quem conhece a abra do grego e do português, a resposta
óbvia é não, pois o romance de Saramago foi publicado trinta anos depois do de
Nikos, em 1991. Os sonhos não conhecem tempo ou espaço, nem mesmo as pessoas,
já que, em meu sonho, Kazantzakis lembrava muito o velho Saramago. Mas a
pergunta é pertinente, já que obras literárias nascem como respostas a
obras literárias anteriores e que essa resposta depende de atos de leitura e
interpretação pelos escritores posteriores – atos que se refletem nas novas
obras. Assim, o estudo das fontes literárias de um autor é importante para a
compreensão do processo criativo daquele que escreve.
Penso que esses sonhos se devam à dissertação que estou
escrevendo, sobre leituras por parte de escritores, e principalmente ao texto que
estou trabalhando agora: A tragédia de
Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de Vigotski, para quem o melhor intérprete
não é o autor, mas o leitor.