Já faz tanto tempo que não atualizo este blog que quase me esqueço dele. Dizem
que é um desrespeito a quem nos segue não postar constantemente. Quem leu
minhas postagens anteriores, porém, sabe que estou escrevendo uma dissertação
de mestrado, por isso o tempo é muito, muito escasso. Devido à dor de cabeça
que esse curso dá, resolvi parar de escrever e ir ao cinema para assistir ao
filme Planeta dos macacos, a origem. O
que vi me fez escrever este texto.
O filme conta a história de Will Rodman (James Franco), um
cientista que, por razões não só profissionais – o pai possui Alzheimer – lidera
uma equipe de uma grande empresa farmacêutica que busca da cura da doença por
meio de experimentos realizados em macacos. Apesar dos bons resultados, empecilhos
levam o laboratório a encerrar as pesquisas. Rodman adota um chipanzé, cuja inteligência
evolui espantosamente. O animal é batizado de César, em homenagem à personagem
de Shakespeare (sempre ele!).
Mesmo com algumas inverossimilhanças exageradas até em um
filme de ficção científica, o longa levantou uma questão importante: o sentido
do que é ser humano. César, gradativamente, apesar de seu corpo de macaco,
desenvolve habilidades, sentimentos e posicionamentos críticos humanos. Por ser
dotado de uma razão indistinta da dos homens, a personagem angaria nossa
simpatia, ao ponto de nos identificarmos com os outros espécimes que passam também
a raciocinar – e torcermos por eles. Em contrapartida, o pai de Rodman,
progressivamente, perde a razão e, de humano, parece apresentar apenas um corpo
doente. O que nos faz humanos: a razão ou o corpo? Matar os macacos tem o mesmo
peso moral de matar um humano, ou o fato de possuírem consciência os torna
semelhantes a nós? Se a razão é o que nos torna homens e mulheres, o pai do
cientista perdeu sua humanidade por estar destituído de sua razão devido a um
processo degenerativo?
Isso me levou a pensar na exposição sobre o corpo
humano que ocorre aqui em Fortaleza. Nela, podem-se ver cadáveres e órgãos
plastificados. Os corpos são posicionados de modo a sugerir movimento. Mesmo os
rostos possuem expressões. A única coisa não natural são os olhos, substituídos
por esferas de vidro, além da pintura, já que corpos esvaziados de fluidos
(primeira etapa do processo de preservação) ficam cinza.
Ao ver aqueles corpos, imaginei se não os tratamos como
objetos. Calma! Não estou falando da “sacralidade do corpo” ou outras questões religiosas,
mas sim do que faz com eles sejam humanos ou objetos. Considerá-los máquinas ou
brinquedos de exposição não me parece muito agradável. Quem foram? O que
fizeram? Quais os seus sonhos? Penso ser quase impossível olhar para eles e não
se indagar sobre isso. Por ser um corpo morto, cortado, pintado ou plastificado,
torna-se um simples objeto?
Outra questão que se impõe é a origem dessas... pessoas? Os
cadáveres utilizados vêm da China, onde existe a indústria de plastinação. Já
se cogitou que, em outra exposição semelhante, os corpos eram de prisioneiros
executados pela ditadura chinesa. Os organizadores da exposição que está em
fortaleza garantem que os corpos que usam não foram vítimas de crueldade.
Aqui faço um exercício de imaginação, semelhante ao de
Hamlet[1]
ao conjecturar sobre Alexandre, o Grande. Imagino que um daqueles corpos pertenceu
a um jovem chinês que, há mais de duas décadas, enfrentou tanques na Praça da Paz
Celestial. Se tivéssemos esta certeza, acharíamos que aquele corpo que
observamos é apenas mais um espécime?
[1] HAMLET
To what base uses we may return,
Horatio! Why may
not imagination trace the noble dust
of Alexander,
till he find it stopping a
bung-hole?
HORATIO
'Twere to consider too curiously, to
consider so.
HAMLET
No, faith, not a jot; but to follow
him thither with
modesty enough, and likelihood to
lead it: as
thus: Alexander died, Alexander was
buried,
Alexander returneth into dust; the
dust is earth; of
earth we make loam; and why of that
loam, whereto he
was converted, might they not stop a
beer-barrel?
Imperious Caesar, dead and turn'd to
clay,
Might stop a hole to keep the wind
away:
O, that that earth, which kept the
world in awe,
Should patch a wall to expel the
winter flaw!