O fato ocorreu há seis
dias, no Paquistão. Em termos jornalísticos, é caso velho, não é notícia. No
entanto, sua caduquice midiática não apaga a gravidade do ocorrido: um garoto
de 12 anos, vestindo uniforme escolar, detonou explosivos que trazia consigo,
matando dezenas de soldados. De
acordo com a polícia, o ataque ocorreu quando as vítimas rezavam. Que mentira
contaram para essa criança a ponto de fazê-la abandonar sua vida para matar
outros?
Lembro-me de Alpha
Blondy cantando, em voz africana com idioma colonizador, os versos: Comment peut-on envoyer des enfants de Dieu,
tuer d'autres enfants de Dieu au nom de Dieu? A
interrogação do cantor, além de perplexidade, suscita reflexão. Hoje, em nome
de deus, cometem-se abominações.
Que deus sedento é esse que exige
tanto sangue para sua embriaguez? Certamente o mesmo que suscitou a Cruzada dos
Meninos e que ri quando a veste sacerdotal encobre o corpo da criança a fim de violá-la.
É o mesmo que atrai os pequeninos para terem seu corpo perfurado por agulhas, mutilado,
emasculado ou destroçado por uma bomba, prometendo algo que ele, deus, sabe ser
mentira.
Não nos enganemos, existe veneno por
entre as dobras da casula. Há manchas de dedos ensanguentados nas páginas da Bíblia
do pastor e da Torá do rabino. Dentro do Alcorão, colocaram uma faca. Em meio
ao culto, uma sombra se move: o espírito desse deus está à espreita. Milhares de
sacerdotes dessa divindade incubem-se de arregimentar suas vítimas: oferecem
ilusões, cerceam sua liberdade, destroem suas esperanças, aniquilam suas vidas.
Esse deus e seus enviados impingem-lhe a infelicidade, o medo, a angústia, o
fanatismo, a morte. Uma procissão de crianças e jovens, adultos e idosos caminha
por uma via onde aqueles que falam de paraíso não enxugarão nenhuma das
lágrimas desses caminhantes.
Vem-me a mente a personagem
saramaguiana de Pastor, dizendo ao jovem galileu que matou uma ovelha para
saciar o desejo de seu deus:
“...Pastor
olhou-o fixamente e perguntou, A ovelha, e ele respondeu, Encontrei Deus, Não
te perguntei se encontraste Deus, perguntei-te se achaste a ovelha,
Sacrifiquei-a, Porquê, Deus estava lá, teve de ser. Com a ponta do cajado,
Pastor fez um risco no chão, fundo como rego de arado, intransponível como uma
vala de fogo, depois disse, Não aprendeste nada, vai.”
Qual o nome desse deus voraz e
iníquo? Jesus, Javé, Jeová, Alá. Esses são alguns de tantos nomes que
pronunciam para justificar o ódio e a destruição. Mas é mentira, esse deus não
possui tais nomes. Ele é o sem nome. Ele confunde-se com o próprio homem e
habita seu coração. Ele é o que é, quis cor
(péssimo, meu latim), “antropocardio”.
A esses emissários de deus que
maculam essas crianças, sugiro a sentença de certo hebreu: amarrem-lhes uma mó
no pescoço e joguem-nos ao mar.
A esse deus, eu o renuncio.
Dedico esta postagem a Ciro de
Tarso, morto, ainda criança, por um juiz que lhe bateu com a cabeça nas escadas
do tribunal. Eu a dedico também ao jovem paquistanês, tão vítima quanto suas
vítimas. A Zilda Arns, por sua dedicação à infância.